EDUCAÇÃO

Aprender, ensinando a máquina

Por Ulisses Nenê / Publicado em 18 de junho de 2007

Duas recentes pesquisas concluíram que o computador na escola não faz diferença nas notas dos estudantes brasileiros ou até pode piorar seu rendimento, provocando um acalorado debate entre especialistas na matéria. A opinião predominante é que os professores precisam aprender a usar melhor o equipamento, como uma ferramenta a mais para realizar projetos pedagógicos bem definidos.

Aluna da 2ª série do Ensino Fundamental do Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre, Lívia Capuano Fogaça, 8 anos, está encantada com o uirapuru, um pássaro da Amazônia que conheceu pela internet nas aulas de informática. “Ele é marrom, avermelhado, tem o bico amarelo e um pouco de branco no peito, sabe?”, conta, desenhando-o no ar com os dedinhos. “Existe uma lenda de que se alguma pessoa ouvir o canto do uirapuru vai ter muita sorte”, relata a menina, impressionada.

E ela tem bastante sorte. Além de estudar em uma das escolas mais tradicionais do Estado, já na 2ª série tem acesso ao mundo da informática. Mais do que um laboratório com equipamentos de última geração, o maior diferencial nisso está no acompanhamento aos alunos de uma professora e uma estagiária com formação em Pedagogia, Multimeios e Informática, além dos técnicos, que planejam sua utilização pedagógica detalhadamente.

É o que tem faltado na maioria das escolas da rede pública e particular no Brasil todo, a julgar por duas recentes pesquisas sobre o tema. A primeira é do doutor em Economia da Educação Naércio Aquino Menezes, professor da USP e Ibmec-SP, que fez uma análise das notas de matemática de 21 mil alunos da 4ª série, 18 mil da 8ª série e 14 mil da 3ª série do Ensino Médio no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) de 2003.

Uma surpreendente conclusão do pesquisador foi que não houve diferença nas notas de quem tinha ou não computador na escola. “A gente não encontra nos resultados que os alunos com acesso a computadores na escola tenham uma nota maior: então, não é verdade que mais computadores na escola aumentam o aprendizado do aluno, isso tanto na escola pública quanto na privada”, afirmou Naércio Menezes ao Extra Classe por telefone.

A possível explicação, prosseguiu, é que é necessário alguém para ensinar o aluno a usar o computador no aprendizado, “não adianta ter o computador na escola se ele não é utilizado de forma construtiva, se não tem ninguém que oriente o aluno a tirar proveito dele”. Em muitos casos, acrescentou, o aluno utiliza o computador para outras coisas, como navegar livremente na internet durante a aula, o que não é útil para os estudos.

A única melhora digna de registro, pequena, aparece quando há um computador na casa do aluno. “O computador em casa melhora o rendimento em cerca 3%, tanto na escola pública como na escola privada, e isto acontece porque, em casa, os pais orientam as crianças em como tirar melhor proveito dele, ao contrário da escola”, explicou.

Computador é meio, e não fim

Em um estudo em andamento, a economista e pesquisadora holandesa Maresa Sprietsma não só reforça como amplia as conclusões do professor da USP e Ibmec. Ela cruzou as informações do Saeb para avaliar os resultados de matemática e língua portuguesa da 8ª série. “Nós descobrimos que a disponibilidade de um laboratório de informática afeta negativamente as notas em ambas as disciplinas, principalmente na matemática”, afirma, em artigo que resume o trabalho realizado no Centro Europeu de Pesquisas Econômicas, em Mannheim, Alemanha.

“Pode ser que as escolas estejam investindo em laboratórios de computador, mas não investem em outras coisas que poderiam ser mais eficientes para o aprendizado, como biblioteca ou treinamento dos professores”, disse ao Extra Classe por e-mail. A pesquisadora especula que os alunos podem estar usando no laboratório de informática o tempo em que deveriam, por exemplo, estar fazendo as lições, lendo ou praticando esportes.

Ela relata, no entanto, que o uso da internet pelo professor como uma fonte pedagógica tem um impacto positivo importante nas notas, mas não chega a detalhar esse aspecto. Tanto Maresa quanto Naércio contam que suas conclusões são semelhantes às de outras pesquisas realizadas na Europa e nos Estados Unidos, onde aparecem as mesmas dificuldades no uso do computador em aula, com resultados pouco animadores, até agora.

Apesar disso, eles não descartam o uso dessa ferramenta nas escolas. O domínio do computador é uma habilidade indispensável no mercado de trabalho, e a ineficiência ve-rificada não é razão suficiente para eliminá-lo do sistema de ensino, diz Maresa. “É preciso utilizar programas específicos que facilitem o raciocínio da criança, um currículo bem desenhado, professores estimulados a aprender a ensinar português e matemática, que é o básico”, completa Naércio.

Uma experiência que carece de amadurecimento

A experiência com computadores no ensino ainda é muito recente, porque a informatização nas escolas brasileiras começou na década de 1990, pelos setores administrativos e, quando chegou às salas de aula, foram adquiridos os equipamentos sem a capacitação dos professores para utilizá-los, analisa a coordenadora do Curso de Pedagogia, Multimeios e Informática Educativa da PUCRS, Helena Sporleder Cortes. Era comum, e ainda acontece, a contratação de técnicos de informática para coordenarem os laboratórios das escolas, critica.

Ela não discorda, mas relativiza as duas pesquisas, que repercutiram intensamente em sites e blogs voltados à Educação. “Elas são pontuais, retratam apenas um momento e não trazem conclusões definitivas. Se o processo de avaliação usasse os computadores, será que o resultado seria o mesmo? Avaliação não é só nota, é muito mais do que isso”, questiona. Por outro lado, critica que os professores ainda estão muito presos aos livros didáticos, quando todos os recursos possíveis – computadores, televisão, vídeos, jornais, revistas e outros – são educativos.

“ A grande questão é a formação competente do professor; o recurso não é definidor do êxito do aluno, o definidor é o mediador entre o recurso e o aluno”, sentencia. A coordenadora relaciona como prioridades nesta questão a definição muito clara do projeto pedagógico, no qual professores e administradores saibam para que querem os laboratórios de informática; professores preparados para fazer o uso crítico de qualquer recurso, não só de última geração; e, por último, políticas públicas para formação de pessoal na área.

Já a coordenadora do Laboratório de Estudos Cognitivos da Ufrgs, Léa Fagundes, observa que essa ferramenta está presente em todas atividades humanas, “como não vai estar, então, onde se forma o cidadão do terceiro milênio?”, indaga. Coordenadora do projeto One Laptop Per Child (Um Computador por Aluno) que está sendo testado em uma escola pública de Porto Alegre, ela defende os investimentos neste e em outros programas de informatização da rede ensino.

Os estudantes de hoje são nativos da cultura digital; não podem receber a mesma escola dos seus pais e avós imigrantes, eles precisam de uma nova escola, assevera. “Precisamos sim de laptops para que cada um possa apropriar-se de  sua máquina e aprenda a fazê-la funcionar, aprenda ‘ensinando’ a máquina”, define. Ela acredita que não há computadores suficientes ainda para melhorar o ensino no Brasil.

Autonomia, cooperação e responsabilidade

O conhecimento da Amazônia, que é o tema da Campanha da Fraternidade de 2007; a consolidação da alfabetização, juntamente com o despertar da consciência ambiental, são objetivos do projeto que a professora Cleonice Guerra está desenvolvendo com seus alunos da 2ª série do ensino fundamental no Colégio Marista Rosário. Com formação em Pedagogia, Multimeios e Informática, ela definiu com a estagiária de pedagogia e a auxiliar de informática todos os passos desse trabalho que deve durar dois meses.

Cada aluno e aluna explorou um elemento da Amazônia cujo nome começasse por uma letra do alfabeto que recebeu. Foi assim que Lívia ficou com a letra “U” e descobriu o pássaro uirapuru. A seguir, elaboraram uma frase com o animal, planta ou outro símbolo da floresta que escolheram e buscaram sons e imagens na internet. Agora, a turma está gravando frases com a própria voz sobre sua pesquisa e tudo será reunido em um CD, com informações de A a Z da Amazônia, com texto, áudio e imagens, que levarão para casa.

Os projetos de informática com as crianças devem ter por objetivos o desenvolvimento do senso crítico, da habilidade de analisar, selecionar, julgar e imaginar, ensina Cleonice, que já programou outros temas a serem desenvolvidos no laboratório. Segundo ela, o professor deve favorecer o desenvolvimento da autonomia, da cooperação entre eles e da responsabilidade, aprendendo a respeitar a autoria de textos e ilustrações da internet, sem o mero “recorta e cola” que os educadores tanto condenam.

A pedagoga completa que professores e família devem exercer um papel de filtro, diante de um leque de possibilidades que chega a ser assustador, admite. “O professor não vai ser substituído pelo computador, vai ser substituído por um professor que sabe usar o computador. Esse é um caminho que não tem volta; o professor não precisa ser um técnico, mas precisa ter um mínimo de conhecimento para saber usar esse recurso poderoso, de forma que eles (alunos) sejam os protagonistas no domínio da máquina”.

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