Que o atirador de Virgínia tinha problemas emocionais não era segredo nem para seus colegas e professores e nem para a polícia de Blacksburg, que já recebera denúncias sobre o seu comportamento e já o advertira mais de uma vez. Isso não impediu que Cho Seung-hui entrasse na loja de armas mais próxima e saísse com a pistola e a munição que queria, depois de uma checagem obviamente farsesca dos seus antecedentes.
As leis sobre venda de armas são notoriamente mais “soltas” na Virgínia do que na maioria dos Estados americanos, mas em todo o país se pode comprar armas com um mínimo de formalidade – e nos “gun shows”, ou feiras de armas onde as indústrias expõem seus últimos produtos mortíferos, com nenhuma formalidade. Depois do massacre de Blacksburg volta a ser discutido – faz parte da rotina – o controle de armas nos Estados Unidos. Só o fato de ser uma discussão reincidente como os massacres prova como ela é inócua.
Há anos que se tenta vencer a resistência a leis sensatas sobre o assunto, mas nem a escalada de horrores (e um horror ainda maior deve estar sendo arquitetado por algum maluco neste instante) comove os defensores do “direito do cidadão de portar armas”, uma frase da Constituição americana, do século XVIII, usada para sacralizar o direito de cada um a ter uma Uzi e balas de fragmentação em casa.
Não é desta vez que a discussão prosperará. Mesmo políticos “progressistas” têm medo de ofender a poderosa National Rifle Association, que gasta milhões em lóbi promovendo a venda e o porte irrestritos de armas e mobilizando eleitores a favor de candidatos simpáticos à sua causa, ou que pelo menos não se manifestem contra. Com os democratas precisando atrair o eleitorado conservador nos Estados Unidos, muitos podem decidir dar à NRA e à sua parte na culpa pelos 32 mortos de Blacksburg o benefício do silêncio.
E, mesmo, não se pode confiar muito na sensatez. Li que estão apontando essa chacina na universidade como prova de que é errada a proibição de armas no campus. Se outros estudantes estivessem armados, matariam Cho antes que ele matasse mais. Os donos de lojas de armas perto da universidade devem estar torcendo para que a tese pegue. No plebiscito sobre a fabricação e o comércio de armas no Brasil feito há pouco, o principal argumento dos que se opunham à proibição era que se estaria “desarmando a população”. Mesmo esquecendo-se o fato de que provavelmente 90% da população brasileira nunca chegou perto de uma arma de fogo, implícito no argumento estava a necessidade de mais, não menos, armas em circulação. No nosso caso, nem foi preciso muito lobby. A insensatez dominante era espontânea.