“De tempo e traça, meu vestido me guarda.”
Adélia Prado
Estou feliz.
O dia está bonito.
Já amanheceu na boniteza que eu sei.
Eu coube inteirinha dentro de um vestido (justo)
que está comigo a idade de quatorze anos.
Há quatorze anos este meu vestido mora nos meus armários,
conhece minhas casas, vê vestidos que rasgaram, vestidos que venceram, vestidos que passaram, vestidos que perderam, vestidos que chegaram,
e é ele um daqueles que marcaram.
Mas, tchan, tchan, tchan, a melhor notícia é que
se eu caibo nele ainda é porque então
as coisas não fugiram tanto do controle assim.
Só os peitos, estes sim, é que hoje o vestido amassa um pouco.
Ganharam do tempo, e com o tempo, volume.
É bom ouvir isso. O molde de um tempo.
A memória de uma forma, fotografia tátil de um corpo no tempo.
Este meu vestido de seda, não muito católica, comprado numa dessas lojas aparentemente bregas em que só é preciso ter olhos para ver
pode ser popular e elegante ao mesmo vento.
Talvez há cinco anos eu não o usasse.
Porque há vestidos esquecidos e os que excessivos se gastam.
Escrevo este poema prestando um serviço
à s mulheres que sabem o que é isso e aos homens que só sabem levantar vestido,
conhecedores que são de suas entradas
Vou trabalhar dentro deste dia lindo, dentro desta história, dentro deste vestido de alegria.
Azul e florido como este dia.