CULTURA

A democracia relativizada de Zaverucha

César Fraga / Publicado em 30 de dezembro de 2005

Jorge Zaverucha, Ph.D. e professor da Universidade Federal de Pernambuco, em seu livro FHC, forças armadas e polícia – entre o autoritarismo e a democracia 1992-2002 (editora Record, 286 págs.), faz alguns questionamentos intrigantes que relativizam, e muito, a crença no Estado democrático brasileiro. Ele lança algumas perguntas que servem não só para fomentar o debate que propõe, mas também para chacoalhar alguns paradigmas políticos dados como estabelecidos. O que leva algumas pessoas a acreditarem na consolidação da democracia brasileira enquanto outras mencionam sua fragilidade e até mesmo o risco de golpe de Estado? Como explicar a ampla crença na estabilidade democrática brasileira, se apenas 37% dos brasileiros consideram a democracia o melhor sistema de governo? Qual o significado de 65% dos brasileiros não se importarem em serem submetidos a um governo não-democrático contanto que ele resolvesse os problemas econômicos do país? Corremos o risco de nos transformar em uma democracia sem democratas? Afinal, em que direção a democracia brasileira está caminhando?

Ele define a democracia brasileira como meramente formal, restringindo-se a uma competição eleitoral. “O Brasil tem belas leis, mas muitas delas são violadas e poucos são os punidos; em especial, se forem membros da elite política, social, econômica ou militar. Um Estado de direito democrático pressupõe a existência de segurança jurídica. Esta só pode florescer quando há uma ordem conhecida e respeitada. O que definitivamente não é o nosso caso”, afirma.

Para Jorge Zaverucha, os vários anos de governo civil não foram capazes de desestruturar a linha de comando dos militares, pois eles continuam detendo a mesma espécie de poder que experimentavam na época da ditadura. E parece que nada mudou. Vinte anos após o fim do regime autoritário, o Brasil está longe de consolidar sua democracia.

Conforme avançamos na leitura de seu livro, vamos percebendo que a democracia em que vivemos é demasiado tênue e sem tradição. Essa fragilidade já havia sido abordada anteriormente em Frágil democracia: Collor, Itamar, FHC e os militares, há cinco anos. Zaverucha analisa a ingerência das Forças Armadas no poder civil do país e revela que, em oito anos de governo, o presidente Fernando Henrique Cardoso, além de ter sido incapaz de alterar a Constituição de 1988, que ainda mantém resquícios da Carta autoritária de 1967, aumentou a “militarização” da segurança pública. O livro comprova que, apesar de decorridos vinte anos do fim do regime autoritário, estamos longe de consolidar a democracia brasileira.

Jorge Zaverucha é coordenador do Núcleo de Instituições Coercitivas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é mestre em Ciência Política pela Universidade Hebraica de Jerusalém, doutor em Ciência Política pela Universidade de Chicago e autor de Frágil democracia: Collor, Itamar, FHC e os militares, 1990-1998 (2000); Rumor de sabres (1994) e Polícia civil de Pernambuco: o desafio da reforma(2003), e organizador do volumeDemocracia e instituições políticas brasileiras no final do século XX. O professor respondeu ao Extra Classe por e-mail e telefone no intervalo de suas aulas no último dia 29 de novembro.

Extra Classe – Na sua avaliação, por que os brasileiros são pouco afeitos ao ambiente democrático?
Jorge Zaverucha
– No dia em que a democracia funcionar e ajudar a resolver os problemas da maioria da população brasileira, ela será respeitada e defendida. Os brasileiros são pragmáticos: entre uma geladeira cheia num regime autoritário e desemprego na democracia, fique-se com a primeira opção.

EC – Qual a principal herança do governo FHC em sua relação com os militares enquanto presidente?
Zaverucha
– FHC tentou passar um verniz e mostrar que controlava os militares. Ledo engano. Em alguns momentos até retrocedeu. Por exemplo, apoiou a aprovação de lei transformando o policial militar em militar estadual!

EC – Na comparação entre os governos FHC e Lula, como tem se saído o atual governo em sua relação com o poder ainda existente dos militares?
Zaverucha
– FHC e Lula são dois lados da mesma moeda.

EC – Qual moeda?
Zaverucha
– Da moeda de não estabelecer o controle civil sobre os militares. O PT apresentou três projetos para extinção da Lei de Segurança Nacional durante o governo FHC. Chegou ao poder, e não tocou no assunto.

Falar e escrever melhor

A professora de Semiótica, escritora e poeta, Clair Alves, lança simultaneamente pela editora Vozes A arte de falar bem (130 páginas) e A arte de escrever bem (158 páginas). Embora os títulos sugiram auto-ajuda, a proposta da autora passa longe. São um apanhado de recursos e técnicas de escrita e fala, organizados e colocados de forma acessível ao leitor comum. A autora tomou como base estudos técnicos e científicos e farta pesquisa bibliográfica. O fato é que no Brasil se escreve muito mal, e manuais de bem-falar e bem-escrever, principalmente quando vindos de boa procedência – de quem respeita e ama a palavra escrita –, sempre são bem-vindos. Indicado para profissionais e estudantes que queiram conhecer técnicas e aprimorar seus dotes de comunicação. Clair Alves é especialista em Lingüística Aplicada ao Português e Literatura, leciona na Urcamp e participa de estudos relacionados na Ufrgs. www.vozes.com.br.

BETTEGA É PREMIADO

O contista gaúcho Amilcar Bettega – autor do livro de contos Os lados do círculo (Companhia das Letras) e atualmente morando em Paris – foi o grande vencedor do Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira para livros publicados em 2004. Ele levou os R$ 100 mil do prêmio principal. O mineiro Silviano Santiago ficou com os R$ 35 mil do segundo lugar por seu romance O falso mentiroso (Rocco). Em terceiro, com R$ 15 mil, ficou Edgard Telles Ribeiro, nascido no Chile, por suas Histórias mirabolantes de amores clandestinos (Record). A cerimônia de um dos maiores prêmios literários do país contou com a participação de Luis Fernando Verissimo tocando “Aquarela do Brasil” no saxofone, acompanhado da banda Jazz Seis. No ano passado, o prêmio principal foi entregue ao poeta e tradutor Paulo Henriques Britto. Em 2003, foram agraciados Dalton Trevisan e Bernardo Carvalho.

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