Perón ajudou a financiar a campanha eleitoral que reencaminhou Getúlio Vargas ao poder em 1951. Além disso, os dois estadistas, que tiveram um período de três anos em comum à frente de seus respectivos países, chegaram a esboçar planos de uma integração entre Brasil, Chile e Argentina. Tudo isso e muitas outras informações sobre o período estão no livro Sob os olhos de Perón – o Brasil de Vargas e as relações com a Argentina, do jornalista Hamilton Almeida (Editora Record, 335 páginas). A pesquisa revela os vínculos dos dois caudilhos entre 1950 e 1954. Hamilton vasculhou os arquivos argentinos durante seis anos, entre 1994 e 2000, enquanto morava em Buenos Aires, paralelamente ao seu trabalho como correspondente dos jornais Zero Hora e Gazeta Mercantil Latino-Americana.
O autor descobriu também, que, além do financiamento da campanha, Perón mandou instalar uma base secreta de apoio a Vargas em Paso de los Libres. Os dois teriam feito ainda um pacto secreto de união das duas economias. Os documentos foram encontrados no Archivo General de la Nación, mas foi no Arquivo da Chancelaria argentina que ele teve acesso a centenas de documentos reservados (“Estrictamente confidencial y secreto”) do período Perón-Vargas, nunca antes publicados.
“ Para compreender melhor aquele período da história, também entrei em contato com historiadores, amigos e inimigos de Perón, além de fazer pesquisas bibliográficas”, explica. Também há entrevistas. O chefe dessa operação secreta é um dos entrevistados do livro. Segundo os dados levantados, teria havido um pacto secreto de união econômica entre os dois países, que não vingou. Perón queria formar o ABC (Argentina-Brasil-Chile), mas só conseguiu assinar um pacto com o Chile. Vargas era simpático à idéia de união dos países da região, mas não teve base política para sustentá-la. “Qualquer coisa que se relacionasse com Perón era vista por brasileiros de influência como uma ameaça. Pairava no ar o temor de que Perón tinha sonhos de hegemonia regional e sonhava com uma ‘República Sindicalista’. Vargas não assinou o Pacto ABC porque sabia que isto poderia lhe custar o governo”, diz o jornalista.
Também chama a atenção o dossiê de que dispunha Perón, por meio de seus arapongas, que traçavam um perfil das principais empresas de comunicação brasileiras e suas tendências políticas. Define O Globo, dirigido por Roberto Marinho, como opositor a Vargas e apoiador das políticas norte-americanas, e Assis Chateu-briand, dos Diários Associados, como um mercenário, de quem todos riam, mas respeitavam como um opositor perigoso e que a única forma de atraí-lo para os interesses argentinos seria o dinheiro.
Hamilton Almeida morou em Porto Alegre entre os anos de 1983 e 1993, quando atuava na editoria de Economia do jornal Zero Hora. Leia entrevista a seguir.
Extra Classe – Perón realmente financiou a campanha de Getúlio Vargas? Como foi o episódio?
Hamilton Almeida – É verdade que Perón ajudou a financiar a vitoriosa campanha eleitoral de Getúlio Vargas à presidência do Brasil, em 1950. O livro contém uma entrevista com aquele que foi designado por Perón para coordenar a secreta operação de apoio à campanha política de Getúlio. Carlos García Marín conta os detalhes de toda a operação, que contemplou a remessa de recursos materiais e financeiros e mobilizou milhares de pessoas. Perón teria gastado “alguns milhões de dólares” nessa iniciativa. Apesar de ter esse depoimento inédito, resolvi pesquisar outras fontes para ver se podia confirmar a informação. Um estudo do ex-embaixador da Argentina no Brasil, Jorge Hugo Herrega Vegas, com base em relatórios da embaixada britânica em Buenos Aires, confirma que Perón apoiou Getúlio financeiramente. O professor Moniz Bandeira também faz uma referência ao fato em seu livro Estado nacional e política internacional na América Latina. O testemunho de Marín, adquire, portanto, uma forte dimensão, lançando luzes sobre um período da história do Brasil até então nebuloso.
Extra Classe – Esses arquivos são inéditos? O que revelam?
Almeida – Os documentos descobertos no arquivo da Chancelaria argentina estão sendo publicados pela primeira vez. Encontrei centenas de textos confidenciais que compõem um retrato do Brasil e dos brasileiros no segundo governo de Getúlio – 1951-1954. O testemunho dos homens de Perón então radicados no Rio de Janeiro era privilegiado. Eles acompanharam o desenrolar da história política, econômica e social do Brasil e prepararam relatos secretos sobre fatos e personagens da nossa história. Perfis de João Goulart, Adhemar de Barros, Jânio Quadros, Carlos Lacerda e Assis Chateaubriand, entre outros, foram elaborados sem complacência. Se essas informações tivessem circulado, na época, certamente provocariam uma crise diplomática de grandes proporções entre os dois países. Pode-se afirmar que todo o Brasil (militares, imprensa, Itamaraty, etc.) foi repassado, com olhos críticos, pelos argentinos de Perón.
Extra Classe – Quanto tempo o senhor levou para analisar o material e selecionar o que entraria no livro? Qual a maior dificuldade no processo?
Almeida – Para selecionar a documentação básica que norteou o livro, demorou um ano. Foi um ano de pesquisa no arquivo da Chancelaria. Devo ter demorado um ano mais para buscar informações em outras fontes. Quando decidi fazer o livro, levei quase um ano para escrevê-lo. O cruzamento de informações, para buscar confirmação ou não de fatos, foi a tarefa mais árdua.
Deus ex-machina
Será que estamos vivendo um período em que as máquinas ocupam o mesmo espaço no imaginário da civilização, que no passado pertenceu às religiões? Talvez não para toda a humanidade, mas para a parcela incluída no universo da tecnologia, no mundo da ci-bercultura, sim. Esse é o ponto de partida de Erick Felinto, jornalista, mestre em Comunicação e Cultura (ECO/UFRJ) e especialista em Literaturas e Línguas Neolatinas (UCLA), em seu livro A religião das máquinas – ensaios sobre o imaginário da cibercultura (Editora Sulina, 142 páginas). Mas não se trata de uma ode à tecnologia. A visão de Felinto vai no sentido de investigar os mitos e o folclore que cercam esse universo, e caracteriza como obsessiva a representação simbólica dessa cultura por meio de ciborgues, andróides, pós-humanos e anjos virtuais, nos mass media. Porém, o autor percebe, com base nesse caldo cultural com matriz (ou matrix) tecnológica, um comportamento religioso com seus sacerdotes, templos e rituais. Essa religião teria o objetivo máximo de promover o homem à condição de nova divindade tecnolo-gizada em uma reedição das fantasias religiosas da transcendência humana.
Ano da Física
No ano que foi eleito como Ano Mundial da Física, comemora-se também cem anos da primeira edição do livro Populäre Schriffen; em versão reduzida no Brasil, intitulada como Escritos populares (Editora da Unisinos, 183 páginas), do físico e filósofo da ciência L. Boltzmann (1844-1906), organizada e traduzida por Antônio A. P. Videira. A edição original tem cerca de quatrocentas páginas, sendo constituída por artigos ou textos de conferências elaboradas por Boltz-mann ao longo de sua vida. Essa versão reúne dez destes capítulos em que o organizador procurou mostrar o núcleo do pensamento filosófico do autor.