Chegar aos 70, 80, 90 anos de idade já não é impossível. Mas para chegar a essa idade esbanjando saúde é preciso muito preparo, desde a infância. Quem não tem tanta sorte precisa contar com a ajuda dos familiares e amigos, principalmente se a idade vier acompanhada de doenças. Nesta etapa da vida, são geralmente os filhos e os companheiros da vida que passam a cuidar dos mais velhos. E deles, quem cuida? Para suprir esta demanda começa a se tornar cada vez mais conhecida a figura dos cuidadores – pessoas contratadas para auxiliar enfermos e idosos, de forma profissional, e sem a carga enorme de emoção que os familiares carregam. Eles se revezam e muitas vezes substituem os familiares nas tarefas de dar banho, dar remédio, trocar roupas e, muitas vezes, fraldas.
A demanda tem sido tanta, que empresas como a Hospitalar Home Care, que começou dando cursos para cuidadores leigos, já está buscando parcerias com universidades para promover também uma capacitação dos profissionais de saúde sobre home care (cuidados em casa). A empresa iniciou seus trabalhos com a proposta de transferir a estrutura dos hospitais para dentro da casa dos pacientes – desde equipamentos até técnicos, médicos, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais. Para pacientes estáveis, há vantagens: por melhor que seja o hospital, nada como a própria casa, sem tanto risco de infecções. O papel da empresa é administrar a equipe e propiciar qualidade de vida no atendimento domiciliar.
Entre outros serviços, a Home Care contrata e fornece serviços de cuidadores profissionais, selecionados entre técnicos de enfermagem e auxiliares. A formação do cuidador leigo – selecionado na comunidade – é uma tentativa feita há três anos para tornar os custos de implantação dos cuidados em casa mais acessíveis. Mas não é fácil achar candidatos, admite Adriana Grassmann Wander, administradora do Hospitalar Home Care. É preciso ter aptidão, responsabilidade e comprometimento. Afinal, será alguém estranho dentro de casa, e doentes e idosos costumam ser pessoas difíceis de lidar.
O primeiro curso, há três anos, formou cinco cuidadores leigos. O mais recente capacitou 25 (por turma) e tem lista de espera. “Para ser cuidador leigo pode ter 1º grau, mas atenção: ele não é um empregado doméstico. A característica principal exigida é o ânimo”, explica Adriana. O curso dá noções de como tirar o paciente da cama sem machucá-lo, como armazenar medicamentos, postura ética, alimentação. O complemento ideal e desejável, além disso tudo, é que o cuidador tenha, sobretudo, paciência e carinho para lidar com o outro. (CLARINHA GLOCK)
Amizades que acarinham e curam
Quando a porta do posto Unidade Básica de Saúde (UBS) 8 do Morro da Cruz, em Porto Alegre, se abre para os pacientes, uma senhora baixinha vai entrando sem pestanejar ou perguntar se pode. Cumprimenta a assistente social que a recebe, e passa direto para a sala de consulta. Essa intimidade não é estranha ao local. Ali praticamente todo mundo se conhece pelo primeiro nome, como se fossem comadres de longa data. O posto integra o Centro de Saúde Escola Murialdo mantido em parceria com o Hospital Moinhos de Vento.
O médico de família Alnei Nunes Soares diz que é possível perceber como os grupos de convivência, de apoio emocional e de saúde mental que funcionam na UBS 8 aumentam o bem-estar e colaboram para que as pessoas lidem melhor com a doença e com suas dificuldades. Isso vale também para as visitas da equipe às casas de pacientes acamados. “Estamos conseguindo melhorar a parte psíquica – e se as pessoas sofrem menos, buscam menos consultas”, avalia o médico.
Os encontros do Grupo de Convivência e de Apoio Emocional coordenados pela assistente social Claudia Beatriz Mattia, semana sim, semana não, acontecem dentro do posto. Nas outras vezes, são nas casas ou nos estabelecimentos de moradores do bairro que não podem se deslocar até a UBS 8. As mulheres predominam. Em forma de roda, no posto, fazem uma grande terapia, em que o sorriso e a palavra de uma alivia a dor da outra. Quando estão nos encontros promovidos fora da unidade de saúde, cuidadores e doentes trocam receitas, falam de dores, de amores, de saudades e de esperanças. “Quem tem dor, conta. Quem tem mágoas, conta. E os outros dão risada. Assim é divertida nossa vida”, explica Lúcia Pereira dos Santos, 71 anos. Juntas, elas passeiam por lugares para os quais, sozinhas, já não conseguiriam ir, como o Parque da Redenção, o Zoológico, a praia.
Numa destas reuniões, em setembro, o grupo subiu a rua do Morro da Cruz despertando olhares curiosos. Na chegada ao bar do encontro da semana, a assistente social Claudia avisa: tem baile na semana que vem, em comemoração à Semana do Idoso. Dona Florilisia Barbosa Franco, 79 anos, abre um sorriso maroto ao lembrar das festas que freqüentou quando jovem. “Não sou pipoca, mas pulava muito”, explica. É poca em que gostava quando os namorados a chamavam de “florzinha de maracujá”. Ali, sorrindo, nem se parece com a senhora cheia de queixas que vai ao posto reclamando de nervosismo. “A gente chega lá, elas olham para gente e dizem: o que será que Dona Florzinha tem? Tá murcha. Aí a gente começa a contar histórias e passa tudo”!
Benditas histórias que servem de consolo e amparo para Ordalina Machado Barbosa, 60 anos. Levada ao grupo pela irmã, acostumou-se a ele, como uma família. “A amizade me fez mudar. Moro sozinha, estava doente, queria me matar”. Mais do que isso, a turma dá força para quem precisa dar força para os outros em casa, como Iria Pereira da Silva, 64 anos, que perdeu um filho enforcado e cuida de uma filha de 44 anos com problemas mentais. “Adoro estar no meio das colegas”, diz Iria. “Tenho problema no coração, nos rins. Aqui me sinto bem melhor e não penso tanto na vida e no filho”, reconhece.
Quieta num canto, Olívia Facco, 47 anos, observa a movimentação das mais falantes. “A gente aprende muita coisa com elas, a companhia faz bem”, relata. Olívia tinha depressão, e seu remédio não tem preço: “A amizade foi o melhor tratamento”, conclui. (CG)