O economista italiano Paolo Labini, escrevendo sobre a vergonha que tem do atual primeiro-ministro do seu país, diz que Silvio Berlusconi ainda não merece o apelido que lhe deram, de “Piccolo Césare”, mas é uma ameaça real aos “anticorpos” que, numa democracia, protegem contra o vírus do autoritarismo. No caso de Berlusconi, com seu controle sobre grande parte da mídia italiana e sua necessidade de escapar de processos antigos e novos, os anticorpos ameaçados são a liberdade de imprensa e a independência da justiça.
A Itália tem uma história de autoritarismo triunfante, dos Césares ao Duce e aos capos dei capi, e teme-se pela competência dos anticorpos para enfrentar mais esta inflamação. Já nos Estados Unidos, os anticorpos têm melhor retrospecto. Esse sucesso do Fahrenheit 9/11, do Michael Moore – o primeiro documentário a ter público de filme arrasa-quarteirão, nos Estados Unidos -, é um fenômeno cultural que provavelmente não terá no eleitorado o efeito anti-Bush que muitos esperam, mas vale como a evidência mais espetacular da reação em curso aos desvios de conduta democrática que extremistas conservadores quiseram impor a uma nação aterrorizada.
Jornais que engoliram todas as mentirosas razões oficiais para ir à guerra no Iraque, e a conversa de que ser crítico era ser antipatriótico, agora se desculpam com seus leitores. Tribunais americanos estão defendendo os direitos humanos de presos contra os argumentos de emergência nacional para justificar o arbítrio, como no campo de concentração de Guantánamo. As denúncias da imprensa reacordada sobre tortura de prisioneiros iraquianos por soldados americanos deram numa comissão de inquérito no Congresso que pelo menos deve ter inibido novas torturas. Entre parênteses: devemos ter ciúme do Iraque. Nenhuma comissão do Congresso investigou as supostas aulas técnicas dadas por instrutores do Pentágono a torturadores latino-americanos naquela Escola das Américas, na época dos generais. Fecha parênteses ressentidos.
Os anticorpos em ação hoje são iguais aos que reagiram à histeria macarthista, nos anos 50 e depois à carnificina sem sentido no Vietnã. Ninguém sabe como a América profunda votará nas eleições de novembro. Pode muito bem reeleger seu projeto de César. Mas a América que cultua o seu “Bill of Rights” e sua tradição de irreverência, crítica livre e respeito aos direitos e à inteligência de todos, a América, enfim, admirável, está aí, viva e bem. E mobilizada contra o vírus.