EDUCAÇÃO

Rebeldes com causa

Por César Fraga / Publicado em 7 de março de 2016
Professor da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul explica à turma de estudantes o processo de confecção de uma maquete para representar a propriedade de cada um deles

Foto: Igor Sperotto

Professor da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul explica à turma de estudantes o processo de confecção de maquetes para representar as propriedades de cada um deles

Foto: Igor Sperotto

No coração de uma das regiões que mais produz tabaco no Brasil, Santa Cruz do Sul (quarto produtor nacional), uma experiência educacional de ensino médio vai na contramão da lógica do uso de agrotóxicos e insumos sintéticos ao formar jovens técnicos agrícolas voltados para a produção de alimentos agroecológicos. Instituição privada, laica e de caráter comunitário, a Escola Família Agrícola (Efasc), diante da grande evasão de jovens do meio rural, alia valorização da profissão de agricultor a conceitos de cidadania, conhecimentos científicos e tecnológicos para a produção de alimentos saudáveis. O conflito de gerações e de métodos de produção entre os estudantes, suas famílias e a comunidade é tanto inevitável quanto esperado. Desse atrito, mas também da troca de experiências e necessidades, surgem os projetos dos alunos, voltados para diversificação. Como resultado, eles produzem alimentos saudáveis e geram renda para as famílias como alternativa ao plantio do fumo.

“Mudou muita coisa no jeito que a gente vive. Antes da nossa fi­lha ir estudar na escola agrícola, nem horta a gente tinha. Acháva­mos que não valia a pena porque nosso consumo era pouco. Então, acabávamos comprando dos mer­cados, mesmo sabendo que eram cheios de veneno. Hoje não. Nós temos nossos próprios alimen­tos, que vêm da nossa horta. Não estamos plantando tanto fumo e a tendência é diminuir ainda mais”, sintetiza o agricultor Nairo Franken, 42 anos. A redução foi de 5% ao ano, o que dá 20 mil pés a menos do que no ano de implan­tação da horta, sem perder dinhei­ro, porque a venda de hortaliças preencheu a receita. “E com uma grande diferença: os produtos são saudáveis”, destaca Nairo.

“A proporção de terra que ocupa e a renda que gera fazem a hortaliça ser uma alternativa muito satisfatória. Hoje em dia, a horta dá dinheiro sempre. Não é que nem o fumo que dá só uma vez por ano”, explica a agricultora Leoni Preissig Franken, 34 anos, esposa de Nairo. Segundo ela, foi nítida a diferença entre a es­cola fundamental pública que a filha cursou anteriormente e a da Efasc. “Ela passou a questionar tudo ou perguntar como funciona­va na propriedade, passando a se interessar mais pelas coisas que aconteciam aqui”, explica.

Cheila produz mudas e hortaliças que abastecem toda a comunidade

Foto: Igor Sperotto

Cheila produz mudas e hortaliças que abastecem  a comunidade

Foto: Igor Sperotto

A filha única do casal, Chei­la Luiza Preissig Bruennig, de 17 anos, está se formando no tercei­ro ano do ensino médio. Ela or­ganizou seu Projeto Profissional Jovem (PPJ), similar a um traba­lho conclusão de curso, a partir de uma demanda que identificou na propriedade da família, em Linha Monte Alverne, distrito de Santa Cruz do Sul. A localidade tem aproximadamente 1.800 ha­bitantes. “Por meio do estudo que eu fiz, descobri que havia uma demanda para mudas de horta­liças (beterraba, alface, repolho, pimentão etc.) dentro da própria comunidade, que era obrigada a comprá-las fora ou em lojas de agropecuária. A partir daí, pas­sei a produzir mudas para nossa propriedade e para a vizinhança. Toda a minha produção é orgâ­nica, sem uso de adubo sintético nem agrotóxicos, desde a muda até as hortaliças”, garante.

Influência na vizinhança

"Toda minha produção é orgânica sem uso de agrotóxicos"

Foto: Igor Sperotto

Produção é orgânica sem uso de agrotóxicos

Foto: Igor Sperotto

A estudante consegue tirar uma renda que possibilita rein­vestir no cultivo, além de guardar para a construção de um galinhei­ro para diversificar ainda mais a produção na propriedade. Confor­me Cheila, a família aceitou bem, mas no começo houve resistência. “Era difícil para eles entenderem que eu teria uma produção sem uso de agrotóxico ou adubo sinté­tico, pois já diversificávamos, mas ainda com veneno e adubo sintéti­co. Quando eu cheguei com essa nova alternativa da escola foi uma coisa diferente, porque eles não acreditavam que daria certo”, conta. Os pais eram apegados à ideia de que sempre haveria ata­ques de insetos às plantas. “Eu di­zia que poderia passar qualquer outra coisa menos o veneno e que havia alternativas dentro da pró­pria propriedade e sem custos”. Ela se refere ao uso de estercos e urina de vaca, além de pesticidas alternativos, como as caldas sufo­cálcica e bordalesa. “E tudo sem gastos, que é o que a gente pensa quando faz um projeto”, justifica.

CONTRADIÇÃO – Assim como os seus cem colegas de escola, Cheila ainda convive com o plan­tio de fumo dentro da propriedade. Isso implica uma divisão e organi­zação dos trabalhos. “Uma parte da semana, quando eles precisam de mim na lavoura eu os ajudo e da mesma forma eles me ajudam com a horta”, descreve. Ela expli­ca que a fumicultura está muito presente, porque vem de várias gerações” dos bisavós para os avós e destes para os pais”, mas que isso está mudando e influen­ciando os vizinhos. “Eles também passaram a ter sua produção de hortaliças agroecológicas e es­tão aprendendo a fazer o manejo. Quando surge alguma dúvida, me perguntam. É muito satisfatório fa­lar com um vizinho sobre algo que se tem conhecimento e que repre­senta uma alternativa ao uso de agrotóxicos e adubos químicos. Minha vontade é ficar no campo e incrementar a produção. Sou filha única e creio que nossa proprieda­de tem futuro”, diz orgulhosa, um pouco antes de sair com os pais para colher folhas de tabaco.

 80% das famílias produzem tabaco na região

Foto: Igor Sperotto

80% das famílias produzem tabaco na região

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Agricultor é alguém na vida

Adair Pozzenon, Secretário Executivo da Agefa e professor-monitor

Foto: Igor Sperotto

Adair Pozzenon, secretário executivo da Agefa

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O Projeto Profissional do Jovem (PPJ) é o fio condutor da formação em alternância, explica o secretá­rio executivo da Agefa e professor­-monitor Adair Pozzebon. “Na verdade, ele é resul­tado de todo o processo formativo desses três anos. Prevê, dentro das possibilidades, uma inserção forte e qualificada socioprofissio­nal desse jovem, tanto na proprie­dade com uma perspectiva futura, como também na própria comu­nidade. Aí essas contradições se acentuam ainda mais, no sentido de que esse jovem começa a fazer algumas opções de trabalho e ge­ração de renda na perspectiva da agroecologia. Até hoje, nenhum PPJ apresentado à escola está re­lacionado ao tabaco”.

O secretário identifica que es­ses jovens estão procurando ou­tras possibilidades de produção, visando à continuidade na agri­cultura, porém numa realidade que é justamente a de que a fu­micultura está em toda a região, onde mais de 80% das famílias produzem tabaco. “Os projetos buscam diversificar a produção dentro da propriedade e ter ou­tras fontes de renda, numa pers­pectiva de mercados curtos e ca­deias curtas de produção, com possibilidade de comercialização do produto em feiras e mercados institucionais, com utilização de políticas públicas. Tudo isso para além da subsistência, diminuindo a dependência das famílias”.

Para Adair, se construiu his­toricamente uma cultura nas fa­mílias rurais de que “para pegar no cabo da enxada não é preciso ir para a escola”. Nesse sentido, explica o secretário, agricultura e educação sempre foram cami­nhos opostos. “Se quer ficar na roça e ser agricultor, para que ir à escola? Isso é o senso comum”, diz. Segundo ele, houve casos de famílias que colocaram seus filhos na Efasc para “ser alguém na vida”; e que esse “alguém na vida” parte de uma perspectiva “que esse alguém não é agricul­tor”, ironiza.

DESVALORIZAÇÃO – “Esse agricultor é alguém que histori­camente é desvalorizado na con­cepção de ser uma profissão para pessoas que não deram certo na vida. Já tivemos casos de jovens em que a perspectiva dos pais era de que estudasse aqui para se tor­narem técnicos e atuarem como instrutores das fumageiras. Com isso, alguns entraram em confli­to direto com as famílias”. Adair conta que alguns jovens saíram da propriedade e foram embora por divergirem dessa perspectiva. “A escola entra como mediadora nos conflitos que existem dentro das famílias, pois desde o início as famílias são chamadas a parti­cipar do processo formativo, como co-formadoras.

Em dois casos de jovens que romperam com as famílias, um deles é monitor de EFA do Vale do Sol e o outro seguiu fazendo Agronomia na Ufrgs. “Muitas ve­zes a gente perde um pouco a es­perança, mas casos como esses nos motivam. “A gurizada nos dá esperança de seguir nesse proje­to”, justifica.

Todos preferem alimento sem veneno

Alexandro

Foto: Igor Sperotto

Alexandro Fabres Nascimento, formou-se técnico agrícola na primeira turma e trabalha na escola

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“Todo mundo precisa comer e todos preferem alimento saudá­vel”, afirma Antônio Carlos Gomes, coordenador pedagógico da Asso­ciação Gaúcha Pró Escolas Famí­lias Agrícolas (Agefa), mantenedo­ra criada em 2009 para gestionar a Efasc e futuras escolas com este modelo. “Estamos focando na produção e consumo de alimento saudável porque a saída econô­mica passa pela produção desses alimentos. Não se trata de um con­traponto ao fumo. Não é isso. Mas todo mundo precisa se alimentar e todos preferem comer alimento lim­po e livre de veneno”, argumenta.

Para o educador, como está co­meçando a surgir uma preocupa­ção maior nesse sentido, a escola está apostando muito nessa ques­tão. Isso implica uma mudança de pensamento nas famílias dos alu­nos, que são pequenos produtores rurais habituados ao fumo e insu­mos químicos. “Mas impressiona que 99% ainda acredita que não é possível produzir um pé de alface sem veneno ou sem adubo sintéti­co. Iniciar essa mudança aqui ex­põe uma contradição e gera con­flitos internos”.

Antônio Carlos Gomes, coordenador pedagógico da Agefa

Foto: Igor Sperotto

Antônio Carlos Gomes, coordenador pedagógico

Foto: Igor Sperotto

Antônio explica que a Pedago­gia da Alternância, linha seguida pela escola, trabalha a questão da produção de alimento no tempo e no espaço. Os estudantes passam uma semana na escola e outra nas propriedades. Além dos conteúdos formais de ensino médio, eles es­tudam os modelos produtivos até chegar onde se chegou, que é uma agricultura predominantemente voltada ao imediatismo e com uso de insumos químicos. “Mas isso é o de menos. O que importa é que a gente faz para ligar esses dois mundos. O projeto pedagógico e a metodologia”, define.

O jovem, em média com 14 anos, no primeiro ano que chega na escola é instigado a se per­guntar: “quem sou eu?”; “quem é minha família?”; “quem é minha comunidade?”; “como é minha propriedade?”; qual o histórico?”. Então, ele vai pesquisar de onde veio. No segundo ano, ele estará mais voltado para a comunidade. E no terceiro, concluindo esse pro­cesso de diagnóstico ele vai de­senvolver um projeto profissional.

 

A invisibilidade do campo na escola convencional

Cristina Luisa Bencke, coordenadora pedagógica da Efasc

Foto: Igor Sperotto

Cristina Luisa Bencke, coordenadora pedagógica da Efasc

Foto: Igor Sperotto

A coordenadora pedagógica da escola, Cristina Luisa Bencke, afirma que 100% dos estudantes da Efasc são filhos e filhas de agricultores, provenientes de escolas públicas, estaduais e municipais. “Essas escolas se dizem pela lei “escolas do campo”, mas estão apenas, eventualmente, situadas em zonas rurais, porém não problematizam as questões que envolvem essas localidades”, critica. “Até o findar do nono ano, a escola convencional faz um desserviço, que é negar e invisibilizar o lugar em que eles vivem, que é o campo”, completa. “Então, na Esaf, durante todo o primeiro ano, eles se redescobrem quem são, quem é a família deles e quem é essa terra onde eles estão. No final do ano, eles fazem uma maquete, onde conseguem de forma concreta enxergar pela primeira vez: eles, a família e a propriedade deles, que, até então, não se enxergavam ali dentro.  Eles estavam de passagem. Agora, eles se veem como um agente dentro daquele espaço”.

Conforme a pedagoga, a partir disso eles começam a perceber as contradições existentes. Essas contradições geram muito desconforto familiar. Há casos de estudantes, que por pressão familiar, e diante da resistência da família, decidam abandonar o curso.Mas segundo ela, a evasão é pequena. “Nos últimos sete anos não chegamos a 2%, praticamente nada”. Ocorreram um ou dois casos. “Vemos progredir o conflito de gerações quando o jovem chega ao terceiro ano e propõe um projeto profissional e de renda. Esse é o maior momento de conflito com a família”, explica.

“Ser mulher e agricultora é resistir”

Sofia Schoeder, estudante do terceiro ano

Foto: Igor Sperotto

Sofia Schoeder, estudante do terceiro ano

Foto: Igor Sperotto

“Quando eu entrei aqui, assim como meus colegas, queria me formar técnica agrícola, com a meta de trabalhar na assistência técnica do município. Hoje, a gente quer passar longe disso. Principalmente por não concordar com a assistência técnica que eles fazem”, contextualiza Sofia Daiana Schroeder, 16 anos, nascida no município de Vera Cruz, que está iniciando o terceiro ano.

Para ela, ser mulher agricultora hoje é uma forma de resistir porque esse espaço não é historicamente das mulheres. As meninas representam menos de 20% dos alunos da escola. São nove meninas entre 91 meninos. “O trabalho da mulher não pode ser considerado meramente o de ajudar o marido, mas deveria ser visto como fundamental. A mulher culturalmente é quem produz o alimento dentro da propriedade e é quem prepara esse alimento, e isso é considerado apenas como ajuda. Todo mundo na propriedade come todos os dias e esse trabalho não é valorizado porque não gera renda. Ou seja, o valor está atrelado à renda”, defende.

“Na minha comunidade a gente está buscando, em conjunto com outras mulheres, resgatar os conhecimentos populares e plantas medicinais para poder utilizar na confecção de produtos fitoterápicos”, relata. Sofia explica que nesse grupo também é feito um trabalho de empoderamento e de valorização do trabalho das mulheres na comunidade e nas propriedades. “Os produtos fitoterápicos são comercializados, pois é muito importante que esse grupo tenha uma renda, já que esse grupo de mulheres está se organizando para uma agroindústria”.

Bruna Ritcher Eichler, estudante do terceiro ano

Foto: Igor Sperotto

Bruna Ritcher Eichler, estudante do terceiro ano

Foto: Igor Sperotto

A colega de Sofia, Bruna Richter Eichler, 16 anos, de Venâncio Aires, pensa parecido.  “A gente tá conseguindo se empoderar e se colocar melhor dentro da sala de aula e com a família também, mas com certeza tem conflito aí. Eu dialogo com minha mãe sobre o direito de fazer determinadas escolhas e que não dependem do meu pai, mas é difícil para ela entender. Essa questão da valorização do trabalho desempenhado pela mulher do campo só muda se o homem e a mulher fizerem tudo juntos, com outra mentalidade”. Bruna comercializa produtos orgânicos em feiras da sua cidade. “Entrei para um grupo de agricultores ecológicos e tanto eles como a escola têm me ajudado bastante. Imagino que devo ampliar a produção com o passar dos anos. Meu projeto provavelmente será nessa área de produção de hortaliças agroecológicas”.

Refeições pedagógicas

Alimentos oargânicos consumidos no refeitório da escola são produzidos pelos alunos

Foto: Igor Sperotto

Alimentos orgânicos consumidos no refeitório da escola são produzidos pelos alunos

Foto: Igor Sperotto

Diego

Foto: Igor Sperotto

Diego Linberger, monitor

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Numa escola em que a produção de alimento saudável é o centro das atenções, até mesmo o momento das refeições é pedagógico. Tudo é feito com alimentos orgânicos cultivados pelos estudantes e monitores na horta da escola. Alexandro do Fabres Nascimento, 25 anos, de Rio Pardo, e egresso da primeira turma a se formar, hoje atua como monitor de produção agropecuária na Efasc. “A escola trabalha basicamente a produção de alimentos e a gente busca produzir alimentos, no meu caso as hortaliças, paro o próprio consumo. A ideia é produzir e aproveitar a horta como espaço pedagógico, usando as culturas que estão ali para a auxiliar na formação deles, principalmente no mérito da formação técnica”.  Ele se formou técnico agrícola em 2011, fez estágio e segue na escola como profissional. Alexandro também produz com a família em sua cidade natal, Rio Pardo, para onde retorna todos os finais de semana, para trabalhar na produção de leite, alimentos e “um pouco de tabaco”.

Formado também em 2011, Diego Linberger, 21 anos também atua como monitor na escola.  “Eu, especificamente, trabalhei em outro local antes de vir para trabalhar como monitor. E, como todo jovem egresso tem um projeto de conclusão, o meu foi sobre avicultura colonial e eu mantenho esse projeto na propriedade da família, para ser uma outra alternativa de renda. Nos finais de semana quando vou para Vera Cruz trabalho nisso com meus familiares. A gente vende diretamente para os consumidores ou com encomendas”.

A ideia é parar com a fumicultura

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Família Lawisch reduziu o fumo em 10% em um ano

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Juliano Lawisch, 17 anos, mora em Boa Vista, distrito de Santa Cruz do Sul, e é filho único. Iniciou o estágio em 2016, mesmo ano que prestou vestibular para a Unisc e foi aprovado para Engenharia Agrícola, que espera cursar em 2017. “Meu projeto é a produção de amendoim orgânico que foi escolhido através das pesquisas que fiz pela escola e a partir das entrevistas com a família. Era uma produção que já tínhamos na pro­priedade, mas que fizemos melho­ramentos principalmente no que se refere a insumos para migrar para uma cultura agroecológica”. Isso foi viabilizado utilizando um bio­fertilizante, uma técnica que apren­demos na escola. Quando Juliano comercializou amendoim orgânico na feira pedagógica da escola, um dos monitores o ajudou a colocar o produto numa feira ecológica de Porto Alegre. Na capital, conseguiu um comprador que paga R$ 12 re­ais o quilo, que normalmente ven­dia a R$ 7, em sua cidade.

Juliano Lawisch tem projeto de amendoim orgânico

Foto: Igor Sperotto

Juliano Lawisch tem projeto de amendoim orgânico

Foto: Igor Sperotto

Ano passado, a família Lawisch reduziu 10% a produção de fumo, de 20 mil para 18 mil pés. “Estamos sempre buscando alternativas para outras rendas, para não ter apenas a renda do tabaco. Antes da minha entrada na escola já tinha diversi­ficação, mas a partir das técnicas aprendidas na escola introduzimos novas culturas e outra forma de manejo”, relata o jovem.

A mãe, Neli Clarisse Lawich, e o pai, Renato José Lawisch, contam que a família mudou de mentalida­de graças à escola. “Foi sem briga desde o começo”, diz Neli. “A gente gosta de coisas novas. Tudo a gen­te quer saber. O que for com menos veneno queremos aprender como faz, até por que capinamos muito ainda e a ideia é diminuir até pa­rar com o fumo, uma vez que não dependemos mais dele”, afirma a mãe do jovem. “Hoje, consegui­mos tirar o sustento da família da produção de amendoim, milho, ba­nha, pães, carne, melado de cana, batata doce, ovos. Tiramos nosso consumo e vendemos muito aqui na vila mesmo e dá uma boa ren­da. E o que fez mudança no pensa­mento do Juliano sobre querer ficar no campo foi a escola”, explica a agricultora, empolgada. Os Lawis­ch possuem 20,7 hectares, sendo 1,5 hectare para fumo, 6 hectares de milho crioulo e em 3,5 hectares são usados para arroz e mandio­ca. Além disso, eles também têm criação animal.

Juliano descobriu com os cole­gas em pesquisas da escola, que muitos alimentos provêm de ou­tras cidades e estados. Avaliaram também que haverá uma deman­da de alimento futura com o cres­cimento da população e que vale a pena investir.

Confronto com a vida real

Sighardt Hermany, coordenador do Capa

Foto: Igor Sperotto

Sighardt Hermany, coordenador do Capa

Foto: Igor Sperotto

“O mais interessante para nós, em relação aos parceiros, é quan­do o jovem sai da escola e se con­fronta com a vida real. Durante os três anos da Efasc, de certa forma, a gente cria um mundo paralelo. Esse jovem está em formação, no convívio da família, protegido”, provoca Antônio Carlos Gomes, da Efasc. De acordo com o pedagogo, esse jovem tem colegas com quem se identificar e principalmente, in­terlocução, porém na sociedade ele vai encontrar outra forma de pensar que é hegemônica e espaços de trabalho que não esperam, muitas vezes, aquele profissional que ele é e que se formou para ser. Um dos parceiros para fazer essa transição é o Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (Capa), que além de op­ção de estágio também assessora a produção familiar na região.

Agricultores possuem uma feira permanente na Ecovale, em Santa Cruz do Sul

Foto: Igor Sperotto

Agricultores possuem uma feira permanente na Ecovale, em Santa Cruz do Sul

Foto: Igor Sperotto

“Para nós essa é uma parceria muito importante, aliás uma das melhores, devido ao seu caráter es­tratégico na região. Isso se deve à formação que a escola passa para os estudantes, tanto no enfoque da agroecologia, enquanto proposta tecnológica, quando na formação de cidadania. Não se trata apenas da formação técnica, mas também trata da questão de valores a par­tir de referências de que socieda­de está carente”, explica Sighardt Hermany, coordenador do núcleo do Capa de Santa Cruz.

O Centro orienta, só no Vale do Rio Pardo, aproximadamente 300 famílias de agricultores, além da cooperativa de produtos or­gânicos que reúne os produtores da região, a Ecovale. Conforme Sighardt, há mais mercado do que produto disponível. No Vale do Taquari, há um outro trabalho direcionado à questão da saúde, voltado para o resgate e aperfei­çoamento dos usos das plantas medicinais e de uma alimentação orientada. São em torno de 700 mulheres, totalizando cerca de mil famílias assistidas.

Ex-aluno incrementa renda da família com a produção deite

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Fabrício (esq), convenceu o pai a investir na produção de leite como alternativa ao fumo

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No município de Vera Cruz, com quase 25 mil habitantes, próximo a Santa Cruz, Fabrício Lentz, de 20 anos, formado há um ano em técnico agrícola encara a vida real nos 34 hectares que ajuda a tocar em conjunto com o pai a mãe e outro irmão. Oito hectares são dedicados ao fumo. “Além do fumo, a gente começou com o leite que é um projeto que criei quando estava na escola. Nos primeiros dias de aula já me chamavam muito a atenção as práticas de produção animal, que numa pequena propriedade dava para produzir uma boa quantidade de litros de leite”, recorda.

Fabrício Lentz: “ainda queremos aumentar o volume de leite, mas estamos no começo e precisamos colocar o pé no acelerador devagar"

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Fabrício Lentz: “ainda queremos aumentar o volume de leite, mas estamos no começo e precisamos colocar o pé no acelerador devagar”

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Fabrício começou pensando pequeno. “Eu trabalhava com meus pais e meu irmão no fumo e vinha da escola para casa e conversava com meu pai sobre investir em gado de leite.  Ele dizia que não, que o investimento era muito alto. Insisti. Disse que, caso não conseguisse, trabalharia de técnico agrícola fora da propriedade. O pai pensou melhor e compramos cinco novilhas, depois mais algumas e, atualmente, já estamos com 13 vacas”, conta. Dessas, seis já estão produzindo, o que dá 60 litros por dia (vendendo a R$ 0,86 o que dá uma média de R$ 1,5 mil/mês). “Ainda queremos aumentar o volume de leite, mas estamos no começo e precisamos colocar o pé no acelerador devagar. Ainda estamos aprendendo a lidar com as vacas e investir em animais de grande porte ainda não é o caso, porque exige um manejo mais especializado. Mais adiante, sim”.

Dos dois anos que estão produzindo leite, hoje a família Lentz consegue guardar, fora as despesas da casa, R$ 300 reais/mês, livrando as despesas e dinheiro para comprar produtos que não produzem. “E é uma renda que entra diariamente. Tudo isso alternando com o fumo. Temos quatro fornos e plantamos 120 mil pés de tabaco. Isso mudou a rotina da casa. Porque o leite exige acordar mais cedo o que gerou mais trabalho e correria. Mas vale a pena. No futuro a ideia é ficar menos dependente do fumo e plantar menos pés”, explica.

RESISTÊNCIA – “Ele trouxe muitas coisas do colégio de que a gente não tinha muito conhecimento e juntou com o conhecimento que a gente já tinha. Uma delas é a questão do veneno. Muito veneno a gente nunca usava, mas totalmente sem veneno ainda acho complicado. Já a questão da produção de leite tá andando bem. As hortaliças ajudam na renda também, mesmo que, às vezes, não consiga vender tudo!”, diz o pai, Claudio Lentz, de 54 anos.

A família também investe em hortaliças, visando colocar produtos nos mercados locais. “Não posso dizer que é orgânico porque é plantado com proximidade ao fumo, mas é rumo ao agroecológico. Ainda estou na fase de convencimento da minha mãe a não usar adubo sintético, por ora estamos numa mescla com adubo natural, mas não tem veneno. Mas a horta chegou a render quase 1.000 reais que reinvestimos na propriedade”, diz Fabrício.

Claudio Lentz, de 54 anos, fumicultor

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Claudio Lentz, de 54 anos, ainda tem sua principal renda na plantação de tabaco

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