OPINIÃO

Além

Por Luis Fernando Verissimo / Publicado em 8 de março de 2016

Não entendi nada, mas adorei” deve ter dito muita gente depois de ver o filme A grande aposta, sobre os meandros e as matreirices de um sistema financeiro descontro­lado. A mesma frase serve para uma composição do Schoenberg ou uma tira do Laerte: entender não é condição para gostar. A pro­va de que as ondas gravitacionais previstas por Einstein há cem anos existem mesmo encheu de entu­siasmo os responsáveis pela pro­va, o que é natural, mas também quem não tem a menor ideia do significado da descoberta. Estes personalizaram sua admiração e festejaram o desagravo ao Eins­tein, que, aparentemente, sabia tudo. Nos fez bem a revelação que o simpático velhinho era mais fera do que se supunha.

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Mesmo sem um curso intensivo sobre títulos, hipotecas temerárias e etc. você sabe que a possibili­dade sempre presente de fraude bancária afeta, direta ou indire­tamente, a sua vida. Você “enten­de” o que está acontecendo em A grande aposta mesmo sem enten­der o vocabulário. A precariedade retratada, no filme, do sistema que, afinal, manda no mundo, deve as­sustar mesmo quem nunca entrou num banco. Já a nossa ignorância do que acontece no Universo só au­mentava com cada nova descober­ta. Aceitamos a ideia de um Univer­so em expansão infinita ou, talvez, até que comece uma implosão, de volta ao big bang que nos pariu – e nos resigna­mos às suas leis obscuras, à ex­centricidade das suas partículas subatômicas e aos limites da nossa capacidade de explicar tudo isso – e de repente surge a possibi­lidade de haver um “além” além do que se conhece, além do infinito, como previu o Buzz Li­ghtyear. Dizem que com as ondas gravitacionais temos agora uma maneira de auscultar o Universo e ouvir seus segredos. Vá entender.

O que a descoberta das on­das tem e ver com o nosso pão e manteiga de cada dia? A mãe do Woody Allen se irritava quando ele, ainda garoto, dizia se angus­tiar com o destino do Universo, e perguntava “O que você tem a ver com o Universo?” antes de lhe dar um tapa. É melhor não ter nada a ver com o Universo. Ele lá e nós aqui. Como estamos no mundo só de passagem, o Univer­so realmente não nos diz respeito. É como festa na casa do vizinho. Mas dizem que as ondas podem trazer sons inimagináveis do pas­sado, além do choque de buracos negros e estrelas. Sussurros, ge­midos, trechos de batalhas e de óperas, Ed Lincoln e seu conjun­to… E o próprio big bang, o pum inaugural.

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