René Cabrales René Cabrales
Desfazendo o negócio
Os petroleiros brasileiros aguardam na justiça a decisão de uma ação popular que visa desfazer um negócio, considerado por eles lesivo aos interesses do País. Trata-se da troca de ativos entre a Petrobras e a argentino-espanhola YPF-Repsol. Além de acusarem a empresa brasileira de avaliar para menos sua parte no negócio, os trabalhadores apontam um prejuízo de R$ 792 milhões, só com a dèbacle da Argentina. A desvalorização do peso frente o dólar, em dezembro de 2001, levou junto uma boa parte desse patrimônio.
Se esse é um grande problema, é, no entanto, bem menor que um outro, apontado pelos trabalhadores. O presidente do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul (Sindipetrosul), Dari Beck Filho, afirma: “Esse é o modelo que o governo encontrou para fazer a privatização sem sofrer a pressão da sociedade. Basta lembrar o que aconteceu quando queriam trocar o nome da empresa para Petrobrax. A reação dos brasileiros foi muito forte”, explica Beck Filho.
Conforme o sindicalista, há uma identidade muito grande entre o povo brasileiro e a Petrobras, o que torna a empresa um dos mais fortes símbolos da indústria nacional e da soberania do País. “Fazer um leilão de uma empresa deste tamanho seria muito difícil. Até poderiam vendê-la, mas o desgaste político seria muito grande devido à comoção da sociedade”, sustenta Beck Filho.
Ele aponta, como indício dessa intenção, a venda de áreas em campos de exploração de petróleo nas bacias de Campos, de Santos e no Paraná. Já ocorreram quatro leilões de vendas de áreas de exploração desses locais, antes monopolizados pela empresa pública. No setor petroquímico, a privatização também já aconteceu. “A Petroquisa, subsidiária da Petrobras, é hoje uma casca vazia”, afirma o sindicalista. A Petrobras, conforme Assessoria de imprensa da Refap. S. A., argumenta que se trata da Lei de Petróleo, que teria definido esta abertura. A Lei número 9.478 de 6 de agosto de 1997, segundo informa o site da Agência Nacional do Petróleo (ANP), “incentiva através de suas diretrizes o desenvolvimento tecnológico” na exploração do petróleo no Brasil. Para os trabalhadores, trata-se do resultado de um grande lobby, que conseguiu abrir o Brasil para empresas de capital transnacional.
No setor de refino, a Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), de Canoas, foi a primeira vítima. Um dos símbolos do desenvolvimento no Estado, a Refap é fonte de arrecadação para os gaúchos e emblemático patrimônio. Afinal, foi no Rio Grande do Sul que o refino de petróleo começou (leia abaixo). Uma grande parte dela é hoje propriedade privada. “A próxima refinaria na lista para ser privatizada é a Refinaria de Duque de Caxias (Reduc), no Rio de Janeiro. Mas eles ainda não conseguiram nenhum parceiro”¸ informa Beck Filho.
Os trabalhadores afirmam que o caminho da venda aos pedaços vem sendo trilhado longe dos holofotes e das câmeras de tevê para evitar a pressão da opinião pública, até porque o momento é emblemático quando se trata de petróleo. Base do modelo energético do mundo todo, o domínio do “ouro negro” e da tecnologia para encontrá-lo, extraí-lo e processá-lo ainda é estratégico para qualquer país. “Como ela é uma empresa muito grande e importante no imaginário dos brasileiros, o governo precisaria encontrar uma estratégia. A solução foi reparti-la”, alerta o advogado Cláudio Pimentel, um dos assessores jurídicos do Sindipetrosul.
René Cabrales
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Questão de soberania
Não são muitos os que têm, como o Brasil, o produto e sabem o que fazer com ele. Os Estados Unidos, por exemplo, que consomem 25% do petróleo do mundo, estão constantemente em problemas de ordem política, cultural e até militar com países exportadores de petróleo como a Venezuela de Hugo Chavez e o Iraque de Sadan Hussein. Por isso, não é de hoje que os petroleiros afirmam em suas campanhas que ter petróleo é uma questão de soberania. É o que tentam deixar claro também na campanha “Privatizar faz mal ao Brasil”, lançada quase ao mesmo tempo que a ação civil pública para rever o troca entre Petrobrás x Repsol.
A operação foi, no mínimo, nebulosa. Uma das nuvens que pairam sobre essa história é o estado demissionário do então presidente da empresa, Henri Reichstul. Ele foi uma das pessoas que mais se empenharam em fechar a negociação, mesmo num momento em que todas as empresas multinacionais saíam da Argentina. Emblematicamente, pediu demissão dois dias antes do então presidente argentino Fernando de La Rúa renunciar, conforme a imprensa noticiou amplamente.
Desde o início de 2001, dizia-se que a Argentina iria quebrar, e que a desvalorização do peso viria com um grande baque na economia da região. Aos poucos, empresas foram se retirando, bancos fecharam e até mesmo a classe média alta resolveu abandonar o barco sul-americano em busca de um lugar seguro, principalmente na Itália, Espanha e Estados Unidos. Dentro da própria Petrobras já havia propostas de cautela para evitar prejuízos com o fechamento do negócio, e os trabalhadores alertavam para os enormes riscos da operação. A Petrobras seguiu adiante.
Na troca de ativos, os brasileiros deram 30% da Refap, em Canoas, 10% do campo de exploração de petróleo de Albacoara Leste, no Rio de Janeiro, e mais uma rede de 350 postos da BR nas regiões Sul e Sudeste. Tudo no valor de US$ 500 milhões. Os trabalhadores afirmam que o patrimônio vale pelo menos US$ 3 bilhões. Por seu lado, a Repsol deu US$ 500 milhões em uma rede de 700 postos na Argentina e uma refinaria em Baía Blanca. Segundo o presidente da Aepet, Fernando Leite Siqueira, “além de a Petrobras avaliar para menos o que deu na troca, o que a Repsol diz valer US$ 500 milhões não fica em US$ 400 milhões”.