CULTURA

A major da PM que tirou a farda

César Fraga / Publicado em 18 de dezembro de 2001

“O que você fez pela cultura da paz, hoje?” Não precisa responder agora. Mas, pasme. A pergunta é de uma major da Brigada Militar mineira. Trata-se de Míriam Assumpção e Lima, que lançou em outubro seu livro A major da PM que tirou a farda. Ela esteve divulgando seus escritos em Porto Alegre, na Feira do Livro, antes mesmo do lançamento oficial no último dia 15/11, em Belo Horizonte, cidade onde vive. Além de oficial, ela é pós-graduada em administração pública e mestranda em Ciências Sociais. Até o final do ano passado dava aulas para os cursos de graduação e pós-graduação da Academia de Polícia Militar e na Fundação João Pinheiro, em Minas Gerais. Mãe de dois filhos, gosta de valorizar o ser humano que está dentro da farda. “Este gênero chamado gente, vem antes de qualquer coisa, inclusive da farda”, afirma com voz calma e contundente, a mulher que tem sob seu comando vários soldados e não hesitou em tirar suas roupas de soldado para poder se aproximar de jovens de periferia disputando-os com o apelo sedutor do tráfico, da violência e da criminalidade.
Veja alguns trechos da conversa da autora com o Extra Classe:

Extra Classe – Qual a intenção do seu livro?
Mirian A. Lima – Em primeiro lugar, mostrar que antes de mais nada, nós policiais também somos humanos. Daí o ato simbólico de tirar a farda nas atividades que realizamos na periferia. De certa forma, estávamos dizendo: Olha, não somos diferentes de vocês, também somos gente.

EC – Que tipo de atividades foram desenvolvidas?
Mirian – Em setembro de 2000, começamos a realizar atividades nas localidades mais carentes com o objetivo de afastar os jovens da criminalidade e da violência com música e teatro.

EC – Você teve problemas na caserna por causa disso?
Mirian – Inicialmente sim. Até porque saiu nos jornal Estado de Minas assim: “Major da PM despe a farda para alunos”. Bom, isso caiu como uma bomba. É óbvio que tive de cumprir algumas punições, mas já é algo superado. Mas o saldo é positivo. O legal deste trabalho é que no início trabalhávamos apenas com jovens carentes, agora já estamos alcançando também alunos da rede privada com enfoques diferentes.

EC – Que tipo de consciência vocês tentam despertar nesses jovens?
Mirian – Na periferia, principalmente, tentamos lutar contra a síndrome do fracasso de que o destino deles está traçado para a derrota, o que não é verdade. Tentamos mostrar perspectivas dentro do universo de dificuldades em que vivem, com enfoque nas potencialidades e não nas carências. Dentro do que é possível.

EC – Como vocês lidam com criminalidade e violência?
Mirian – Em primeiro lugar, tentamos desfazer uma grande confusão que a maioria das pessoas fazem em considerar que as duas coisas são a mesma. O mais comum é considerar que a prática de um ato infracional é violência, o que não é. Muitas vezes a violência não assume a forma de um crime, pode ser psicológica, na forma de discriminação, preconceito.

EC – Como a senhora situa a iniciativa de vocês dentro de um contexto geral da polícia militar no país?
Mirian – Eu acredito que este processo de aproximar-se do povo, deve ser tarefa de todas as instituições, não apenas da polícia. Historicamente as polícias têm funcionado pelas elites e para as elites. Particularmente, eu quero uma polícia que atue para o povo, de forma humana, menos repressora. Mas este é um processo cultural, as coisas não vão mudar da noite para o dia. Nossa iniciava não reflete o pensamento da polícia como um todo, mas fazemos parte deste todo e estamos, de alguma forma propondo mudanças.

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