Muitas famílias encaram a escola como principal responsável pela educação de seus filhos. Nada mais natural, já que boa parte das crianças e adolescentes passa mais tempo com colegas e professores do que com seus pais. Mas essa terceirização tem se expandido: psicólogos e professores de natação, de música e de línguas estrangeiras têm assumido tarefas que já são comuns na vida de professores escolares. E, assim como estes, estão abraçando tarefas que antes eram dos pais. Agora, até advogados também estão participando da educação dos filhos de seus clientes.
No ano passado, um professor de um tradicional colégio particular de Porto Alegre pegou um aluno colando durante uma prova. Retirou a prova e deu zero para o aluno, situação relativamente comum no ambiente escolar. No fim da manhã, estava lá na escola o advogado da família para resolver a situação. Os pais não estavam presentes. Apenas o advogado, numa evidente tentativa de intimidação contra a escola, mas, sobretudo, contra o professor. No momento em que pais não assumem a sua responsabilidade na construção da identidade de seus filhos, a escola sente-se sem apoio. Qualquer professor já ouviu de seus coordenadores e supervisores educacionais que determinado aluno é desamparado, que a família não se preocupa com ele, que os pais não sabem o que fazer para ajudar o filho, etc. Mas no momento em que a família sente que um ato de corrupção do filho precisa ser resolvido da mesma forma como são resolvidos os atos de corrupção de nossos políticos, compreendemos que sociedade estamos formando e por que estamos onde estamos.
Se a escola não ampara o professor numa situação como esta, o que resta ao professor? Sob esse ponto de vista, ele seria a maior vítima. Não é difícil imaginar como acabou o caso relatado acima. O trabalho do professor acaba sendo desvalorizado pela própria escola onde trabalha. Muitos aceitam preparar uma nova prova porque a direção da escola concordou em dar uma nova chance ao estudante. Se não acatar o pedido da escola, o professor acabará demitido.
Mas a verdadeira perversidade de uma situação assim não atinge exclusivamente o professor. De fato, ele é quem fica desmoralizado. No entanto, quem sofre mais é o aluno. Inicialmente, não é fácil perceber, mas é o aluno que está aprendendo que sempre é possível resolver algo grave. No futuro, quando ele queimar um índio ou atropelar um ciclista, algum advogado aparecerá para propor uma pena alternativa e algum juiz acatará o pedido. Possivelmente, eles terão sido colegas na escola que lhes ensinou que, se colassem, poderiam fazer outra prova.
*Professor de Língua Portuguesa e Literatura.