Instituídas originalmente há 157 anos, as cooperativas se caracterizam fundamentalmente pela adesão livre e voluntária de seus associados.
No Brasil, as chamadas cooperativas de trabalho, tornaram-se uma opção a mais para trabalhadores autônomos em um mercado de trabalho conturbado, marcado pelo desemprego. No entanto, é preciso tomar cuidado. Há muitos casos em que essa figura jurídica é usada para maquiar a exploração de trabalho terceirizado, numa clara precarização dos direitos dos trabalhadores.
No primeiro sábado de julho comemora-se o Dia Mundial do Cooperativismo. Com sua origem situada historicamente em 1844, na localidade inglesa de Rochdale, as cooperativas, fundamentalmente, se caracterizam pela adesão livre e voluntária de seus associados. No Brasil, a proposta cooperativista enfrentou um declínio a partir de meados dos anos 60, com a instauração do regime militar. A legislação da época submeteu o sistema brasileiro de cooperativas ao centralismo estatal, o que implicou na perda de liberdades conquistadas. Essas liberdades seriam reconquistadas com a restauração das condições democráticas e o cooperativismo seria incentivado pela constituinte de 1988. A nova Carta Magna brasileira definiu que a criação de cooperativas independe “de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”.
Dentro deste cenário, as cooperativas de trabalho, reunindo profissionais autônomos, obtiveram um campo maior no Brasil, tornando-se uma opção a mais trabalhadores autônomos num mercado de trabalho conturbado, marcado pelo desemprego. No entanto, a relação com os chamados tomadores de serviço acabou gerando casos de cooperativas de trabalho, as chamadas “fraudoperativas”, que são usadas como meras fachadas para a contratação fraudulenta de trabalhadores, muitas vezes burlando compromissos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com empresas forçando os empregados a criarem cooperativas, o que deveria ser uma atitude livre e voluntária.
Embora a legislação estabeleça que não existe vínculo empregatício entre cooperados e tomadores de serviços, a figura da cooperativa vem sendo usada para exploração de trabalho terceirizado, numa situação em que fica patente a precarização dos direitos dos trabalhadores em lugar da melhoria da condição de vida que deveria ocorrer com os cooperados.
No Colégio Mesquita, em Porto Alegre, que passou a ter o Sindicato dos Metalúrgicos como mantenedora desde o final de 2000, os professores formaram uma cooperativa para prestar serviço no segmento do ensino fundamental. Era isso ou a demissão com o fechamento das classes de ensino fundamental na escola. Joelci Luís dos Santos, vice-presidente da cooperativa, diz que no final do ano passado o Sindicato dos Metalúrgicos decidiu extinguir o ensino fundamental na escola. “Com isso estaria morrendo a base e seria afetado o ensino médio”, explica Santos. “Assim convidamos todos os professores para constituir uma cooperativa. Alguns não quiseram”, acrescenta. Segundo Alves, criada a cooperativa, o valor das mensalidades escolares foi reduzido e aumentado o valor da hora-aula dos professores em torno de 40% como forma de compensar as perdas dos benefícios sociais (como o depósito do FGTS, INSS, 13º salário…) na passagem de trabalhadores a cooperados. A idéia é transformar toda a escola em cooperativa. As primeiras medidas, conforme Alves, trouxeram um aumento no número de alunos do ensino fundamental entre 35% e 40% no primeiro semestre de 2001. “A cooperativa está legalizada, foi criada seguindo orientações de órgãos específicos como Ocergs e SEC”, alega.
O diretor do Sinpro/RS, Celso Stefanoski, informa, porém, que a situação da cooperativa dos professores do Colégio Mesquita ainda não está totalmente regularizada. O diálogo em busca de entendimento entre sindicato e cooperativa continua se desenvolvendo, mas o diretor do Sinpro/RS lembra, por exemplo, que os professores cooperados ainda têm sua remuneração comprovada em forma de contra-cheques emitidos pela escola, o que não é legal numa relação entre uma empresa tomadora de serviços (no caso, o Colégio Mesquita) e a cooperativa contratada.
Um trabalho de investigação desenvolvido nacionalmente pelo Ministério Público do Trabalho revela que toda sorte de mazelas vêm sendo geradas por falsas cooperativas de trabalho e empresas tomadoras dos serviços dos cooperados. A cada denúncia sobre o assunto, o Ministério Público do Trabalho abre investigação. O resultado desse trabalho revela que a grande maioria das cooperativas de trabalho não faz mais do que intermediar mão-de-obra, terminando por fraudar direitos trabalhistas.
Mas existem experiências bem-sucedidas como a Cooperativa dos Trabalhadores em Atividades Múltiplas (Coopertam), atuante em São Paulo. A Coopertam fornece mão-de-obra em todos os níveis hierárquicos para restaurantes. A presidente da Coopertam, Miralda de Souza Cipriani, diz que o objetivo da entidade é valorizar o trabalho dos cooperados. Assim os trabalhadores, como cooperados, têm ganhos acima da média de mercado. A Coopertam atua com base em regimento estatutário e legislação cooperativista. Segundo Miralda, as cooperativas de trabalho, quando operam com seriedade, não exploram o trabalhador e geram benefícios para o cooperado. Sociedade sem fins lucrativos, a Coopertam trabalha encaminhando os cooperados para oportunidades de trabalho. Vale lembrar que os cooperados são profissionais autônomos que prestam serviços para os restaurantes de um modo geral, mas sem vínculo empregatício. “A Coopertam não é uma agência de empregos como muitos podem pensar, pois não visamos lucro. Na verdade, somos apenas representantes dos cooperados e administramos seu trabalho”, explica a presidente.
Ricardo Fraga, juiz da 9ª Vara do Trabalho, explica que a legislação para formar cooperativas de trabalho tem vários requisitos. “Muitas vezes eles não são atendidos porque tratam-se, muitas vezes, de iniciativas não legítimas”, diz ele.
Segundo Fraga, tem havido uma grande incidência de reclamatórias individuais perante a Justiça do Trabalho. “Quando ocorre um caso mais aberrante de fraude à lei, os trabalhadores têm procurado o Ministério Público do Trabalho”, informa. As cooperativas de trabalho não regulamentares implicam em prejuízo do trabalhador, do Direito do Trabalho e das organizações sindicais. “Em casos de violação mais individual, o atingido deve recorrer à Justiça do Trabalho, quando for uma causa coletiva, deve ser procurado o Ministério Público do Trabalho”, aconselha Fraga.
As cooperativas de trabalho representam uma situação nova
que surge dentro de um conjuntura de desemprego
Ele diz que o Ministério Público tem investigado as denúncias, inclusive na esfera criminal e cita o caso de algumas cooperativas irregulares que se apresentam para concorrer em licitações. “Isso pode configurar até crime”, define. “É importante dizer que empresas que contratam cooperativas têm vantagem econômica aparente. As complicações e conseqüências são muitas e implicam em vários incômodos e contratempos”. Conforme Fraga, a formação de cooperativas de trabalho já era permitida antes mas “a alteração no artigo 442 da CLT através da Lei 8949, de 1994, representou um incentivo a isso tudo”. Em casos como o do Colégio Mesquita, o juiz considera “razoável pensar numa escola com todos os trabalhadores sendo cooperativados, mas um sistema misto onde alguns são prestadores de serviços como membros de cooperativa e outros são contratados como celetistas é inadmíssivel”.
Luis Carlos Franke, presidente da Federação Gaúcha das Cooperativas de Trabalho, alerta para o fato de que cooperativismo não pode, jamais, representar “um instrumento de precarização dos direitos do trabalhador”. Ele lembra que as cooperativas de trabalho representam uma situação nova que surge dentro de uma conjuntura de desemprego. “Na maioria das vezes, trabalhadores que formam uma cooperativa têm a dimensão do salário, não do negócio. O grande desafio é se apropriar do mundo dos negócios”. Franke ressalta que “todas as condições que o trabalhador teria na iniciativa privada deveriam ser melhoradas na cooperativa”. Além disso, acrescenta ele, a cooperativa deve apresentar “todos os valores inerentes como princípios democráticos, autogestão e transparência”.