A polêmica do Normal Superior
Imagem: René Cabrales
Imagem: René Cabrales
A aprovação da nova LDBEN, em 1996, criou duas novas figuras no campo da formação de professores para a Educação Infantil e das primeiras quatro séries do ensino fundamental.
Cristalizados na base do “canetaço” através de decretos assinados pelo presidente da República e pelo ministro da Educação, os Institutos de Educação Superior e os cursos do Normal Superior surgiram sob a égide da polêmica , levando a um debate que discute, basicamente, a falta de profundidade dessas novas instituições de ensino no que se refere à qualificação de profissionais docentes. Ao menos no Rio Grande do Sul, tais cursos ainda não encontraram terreno fértil para se desenvolver.
Assunto polêmico, a questão do Normal Superior começou a se delinear a partir de 1996, quando foi aprovada e incluída na nova LDBEN, uma proposta do senador Darcy Ribeiro pela qual seria exigido diploma de nível superior para professores de Educação Infantil e do ensino fundamental.
A ideia trazia embutida a intenção de qualificação para aquelas categorias profissionais e ficou estabelecido um prazo de 10 anos para que fosse colocada em prática. Passados cinco anos da aprovação da proposta, a ideia continua sendo motivo de discussão em todo o país.
A polêmica deflagrada deve-se não à exigência de formação superior, aceita em sua essência como elemento de qualificação do ensino, mas quanto ao surgimento de duas novas figuras no setor da educação: os Institutos Superiores de Educação, nos quais a formação deveria se dar, e o Normal Superior, que forneceria as habilitações desejadas.
Da maneira como foram encaminhadas as propostas, foi inevitável que essas inovações se caracterizassem por dois pontos básicos: uma ameaça de extinção dos tradicionais cursos normais de nível médio, uma tradição histórica no Brasil na formação de docentes para o ensino fundamental, e um confronto com os cursos de Pedagogia.
O artigo 62 da LDBEN define que a formação de professores da Educação Básica deve ser feita “em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação”, mas admite, como formação mínima para professores da Educação Infantil e das quatro primeiras séries do ensino fundamental, “a oferecida em nível médio, na modalidade normal”.
Já o artigo seguinte, de número 63, indica o curso Normal Superior como “destinado à formação de docentes para a Educação Infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental”.
O caput do artigo 63 e o inciso I estabelece que os Institutos Superiores de Educação manterão cursos de formação de profissionais da Educação Básica, inclusive o Normal Superior, sendo portanto este um curso formador de professores para séries iniciais e para a Educação Infantil.
Esta formação, no entanto, não é privilégio único e exclusivo dos cursos normais superiores, pois o artigo 62 da LDBEN estabelece que a formação de docentes para atuar na Educação Básica, na Educação Infantil e séries iniciais do ensino fundamental, pode ser efetuada tanto nos Institutos Superiores de Educação quanto em universidades.
O Parecer 115/99 e o projeto de resolução, que regulamentou os institutos superiores de educação, não se referiram aos cursos de Pedagogia nas universidades (segundo esse parecer, curso de Pedagogia fora da universidade, deve transformar-se em Instituto Superior de Educação).
O Art. 64 da LDBEN, em sua formulação, não determina que os cursos de Pedagogia formem somente os profissionais especialistas, sendo esta formação apenas uma das tarefas dos cursos de Pedagogia, nas Universidades, não excluindo, portanto, a possibilidade de existirem habilitações para formação de professores nesses cursos.
Foto: René Cabrales
O tema tornou-se pauta constante do Conselho Nacional de Educação há três anos na discussão da dúvida junto com faculdades, universidades e representantes dos professores.
Em dezembro de 1999, o debate foi interrompido por uma solução não muito democrática: o presidente da República e o ministro da Educação decidiram resolver o assunto por decreto, explicitando que a formação de professores em nível superior para atuação na Educação Infantil e das primeiras séries do ensino fundamental seria feita “exclusivamente em cursos normais superiores”.
A palavra “exclusivamente” apontava o fim dos cursos de Pedagogia e do Magistério de nível médio como formadores de professores.
“O Normal Superior está inserido dentro da lógica desencadeada pelo então senador Darcy Ribeiro, ao propor um substitutivo ao projeto de LDBEN construído pelo movimento social e mediado pela Câmara dos Deputados”, esclarece Jussara Dutra Vieira, presidente do Cpers/Sindicato.
Segundo ela, a ideia do Normal Superior inspira-se na concepção de Educação Fundamental dividida em escola-parque, até a 4ª série, e escola-oficina, da 5ª a 8ª séries, dentro de uma perspectiva de que a escola pudesse formar mão-de-obra entre a clientela das escolas públicas “majoritariamente oriunda das classes populares”.
Jussara Dutra avalia que, nesse sentido, a escola-parque teria um professor com titulação de nível médio (normalista), enquanto a escola-oficina teria um professor com “uma habilitação um pouco melhorada”. Mas, adverte a presidente do Cpers, “esta é uma insuficiência em termos de concepção dessa formação, agravada pelo fato de que o Normal Superior pode acontecer fora da Universidade”.
A alegação de “tendências internacionais” por parte do Ministério da Educação para justificar a implementação do Normal Superior é refutada por Jussara Dutra.
Os cursos do Normal Superior devem ser instalados em institutos normais superiores, onde, conforme a presidente do Cpers, “não há necessidade de associar o ensino à pesquisa e à extensão universitária”. Ela alerta ainda para um problema relacionado a algumas facilidades para a obtenção da autorização para funcionamento dos cursos do Normal Superior.
“O Conselho Nacional de Educação, a partir da LDBEN, não se caracteriza como órgão de Estado, mas como órgão de governo. Isto é, depende, em última instância, do Ministério da Educação.”
Na visão de Jussara Dutra, o Normal Superior, que ainda não se instalou no Rio Grande do Sul por uma forte movimentação e resistência dos setores ligados à educação, representa “uma formação aligeirada, com pouca consistência que se desvincula de um projeto de formação mais amplo que só a Universidade pode oferecer como solução para o problema”.
Para Antonia Carvalho, da Anfope (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação), a entidade baseia-se em documentos históricos, que remetem há até 20 anos, na defesa de pontos relacionados à formação de docentes. Segundo ela, as principais ideias da Anfope incluem “a construção de uma base comum nacional e a docência como base”.
Assim como Jussara Dutra, Antonia Carvalho defende, pela Anfope, “uma sólida formação, pesquisa e avaliação permanente dos cursos de formação”. Para ela, a formação de uma base comum nacional seria o ponto central numa campanha de resistência à degradação do magistério.
A Anfope levou o debate sobre a formação de professores de Educação Infantil e das primeiras séries do ensino fundamental para as páginas da internet.
Elizabeth Diefenthaeler Krahe, mestre em educação e professora assistente do Departamento de Estudos Especializados da Faculdade de Educação da Ufrgs, diz que a nova LDBEN deixa a possibilidade de “continuar a formação de professores dentro dos moldes vigentes até sua promulgação” enquanto instala uma polêmica ao prever programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que manifestem intenção de se dedicar à educação básica.
Tal polêmica persiste, segundo ela, “porque ainda hoje os profissionais de educação lutam em ter reconhecida sua importância, seu plano de carreira, seus salários”.
Elizabeth Krahe entende que a proposta dos institutos de educação superior permite o questionamento reiterado da possibilidade da “formação de professores ser vista como uma profissionalização menor, afastando as licenciaturas de seu atual nivelamento de igualdade com as demais formações profissionais universitárias”.
Vera Lúcia Basso, do Fórum de Diretores de Faculdades de Educação, defende modificações na LDBEN para abolir os institutos superiores de educação e o Normal Superior.
Para ela é preocupante o lugar indicado pela lei para a formação dos professores de Educação Infantil e ensino fundamental (“preferencialmente em Institutos de Educação Superior…”) e o decreto assinado por FHC e Paulo Renato Souza, em dezembro de 1999, deveria ser revogado.
“A formação de professores para aqueles segmentos escolares deveria se dar, preferencialmente, nas Faculdades de Educação”, salienta.
Há, no entanto, quem não veja maiores problemas no decreto, seja no conteúdo, seja na forma como o assunto é tratado. É o caso do ex-presidente do Conselho Nacional de Educação, Éfrem Maranhão.
Mesmo sendo opinião discordante de grande parte dos conselheiros, Maranhão diz que não há nenhum impeditivo para que o presidente legisle através de decretos. Segundo ele, a melhor forma de conduzir a questão seria pelo debate democrático dentro do Conselho. “Mas não é ilegal”, resume sobre os decretos. Indo além na questão, ele avalia que “a discussão sobre formação de professores é internacional.
Os cursos de Pedagogia não estão formando profissionais dentro das novas diretrizes curriculares”. Presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior), Rodolfo Pinto, mesmo não gostando do decreto, diz que “não somos contra outras alternativas para a formação de professores, desde que não haja perda de qualidade”.
Selina Dal’Moro, da Aesufope (Associação de Estabelecimentos de Ensino Superior de Formação de Professores) insiste nos pontos defendidos por Jussara Dutra e Antonia Carvalho. Para ela também é necessário rever a legitimidade dos institutos superiores de educação e do cursos de Normal Superior.
Além disso, ela defende “uma formação em nível realmente superior” que contemple, de forma articulada, ensino, pesquisa e extensão.
Presidente da Anfope, Leda Shaib acredita que as definições da LDBEN reforçadas pelos decretos de FHC e Paulo Renato Souza serão modificadas.
“Este governo está mais preocupado com a certificação enquanto nós nos preocupamos com a qualificação”, define. Para ela, a exigência do diploma universitário em 2007 deverá ser revista.
“Nenhuma lei é definitiva, há saídas constitucionais”, conclui a presidente da Anfope.