A “lista” das águas
Imagem: Pedro Alice
Imagem: Pedro Alice
Entramos neste ano de 2001 e a palavra mais ouvida foi a lista. A tal da lista que foi obtida na violação do painel eletrônico do Senado e detonou o processo de cassação política de parlamentares cujo desfecho ainda está por vir. Será que faltou ética a essas excelências?
Segundo os verbetes de algumas enciclopédias, a ética pode ser definida como a ciência da moral ou da série de princípios morais pelos quais o indivíduo deve guiar sua conduta no ofício ou profissão que exerce.
As concepções éticas da humanidade têm variado de acordo com as diferentes formas de evolução social. Segundo Aristóteles, virtudes éticas são aquelas que se desenvolvem na esfera da vida prática e que se destinam à consecução de um fim, tal como justiça, valor, amizade e por aí vai.
Ao contrário do que muitos imaginam, os recursos hídricos, sejam superficiais ou subterrâneos, não pertencem ao proprietário da terra onde estão localizados. De maneira muito simplificada, esse líquido, vital e fundamental em todos os dias, pertence à nação brasileira.
Pela proximidade com as populações assentadas em seus territórios, cabe aos estados e municípios o controle e gerenciamento das águas. O poder público é, assim, o principal agente balizador nas decisões sobre o seu uso mais adequado.
Para uma captação de água ser feita, via uma tomada direta de um rio ou através de um poço, deve ser solicitada uma licença ao órgão ambiental responsável.
Em que pese a verdadeira “macarronada” de leis e códigos que um usuário tem que conhecer para a tramitação de uma concessão e a fiscalização notoriamente deficiente neste setor, todo o processo só será bem conduzido se os valores éticos prevalecerem.
A desenfreada extração de água para solucionar a demanda imediatista, sem critério técnico e político algum, está a cada dia mais exposta à sociedade.
Os meios de comunicação têm exercido um papel importante nesse sentido e podem ser uma linha auxiliar na reorientação de obras e serviços vinculados ao saneamento básico.
Neste aspecto, a partir de um cadastramento de campo e de pesquisa junto aos setores envolvidos, a um custo relativamente baixo, pode ser diagnosticada a vocação hídrica de uma determinada bacia e a sua inerente fragilidade.
É o tipo de procedimento de praxe, desenvolvido em várias partes do mundo, que produz excelente resultado.
Por outro lado, como se fosse um retrato 3X4 do que vem acontecendo no Brasil em outras áreas, grupos oportunistas que atuam com desenvoltura e cabalam administrativamente elementos oficiais na obtenção de vantagens escusas em cima do nosso precioso líquido, uma hora acabam se entregando. E, como a mentira tem perna curta, essa entrega pode vir na forma de uma lista. A “lista” das águas.
Portanto, diante dessa possibilidade, é imperativa a participação de representantes dos movimentos sociais nos fóruns de discussão dos Comitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográfica, como um passo decisivo na busca de uma política mais justa de uso das águas.
Pelas razões expostas acima, para finalizar, reproduzo neste espaço um pensamento de Millôr Fernandes em conversa com Carlos Henrique Porto, nos idos de 1965.
Nesta conversa, muito apropriada para os dias de hoje, Millôr disse:
“Nem todos têm a capacidade e os meios de construir na medida que gostariam. Mas todos, sem exceção, podem evitar os males sociais dos realizadores sem escrúpulos, dos empreiteiros ambiciosos, dos que destroem tudo por onde passam no afã do lucro, numa política de cupidez e terra arrasada. Você pode não realizar seus sonhos, mas deve fazer de tudo para que os outros não realizem seus pesadelos.”
*Geólogo, Doutor em Ciências e Professor Titular da Unisinos – heraldo@euler.unisinos.br