GERAL

Investimento não é déficit

Publicado em 3 de junho de 2001

Mas essa história começa em 1983, quando um acordo com o Fundo determinou a redução dos investimentos de estatais que até hoje controlam a geração de energia. “Vem daí a idéia equivocada de que investir é sinônimo de déficit público. O mais trágico é que Delfim Netto, ministro do governo do general João Baptista Figueiredo, não deu tanta bola ao compromisso que havia firmado com o FMI quanto os economistas que assumiram o poder com a Nova República, em 1985. Eles iniciaram o processo de estrangulamento das estatais que se consolidou com o chamado consenso de Washington, no final dos anos 80”, afirma o economista Dércio Garcia Munhoz, professor aposentado da UnB.

Na década de 90, predominou a idéia de que a privatização era condição imprescindível para o sistema deslanchar. A promessa era a de que a concorrência e a sede de lucro das empresas fariam com que elas investissem em distribuição e geração, em busca de novas oportunidades de negócios. Não deu certo. “A lógica capitalista clássica não se aplica ao setor elétrico, onde a oferta precisa crescer antes da demanda, caso contrário, cria-se o caos”, diz Carlos Lessa, da UFRJ. Os investidores privados preferiram usar a energia das velhas usinas já existentes a abrir novas geradoras. A explicação é rudimentar: o custo do megawatt de uma usina que já está funcionando é de R$ 5, ao passo que, em outra ainda a ser construída, sobe para R$ 60. “O investidor quer recuperar o que gastou o mais rápido possível e a primeira coisa que faz é aumentar a tarifa acima da inflação. Um modelo inteligente de privatização exigiria a construção de novas usinas para elevar a oferta”, diz Ronaldo Custódio, secretário-executivo do comitê de política energética do governo gaúcho.

No Brasil, as hidrelétricas representam 91% da capacidade de geração de energia. É um caso à parte no cenário mundial – apenas a Noruega tem modelo parecido, mesmo assim, pouco mais da metade da geração fica a cargo das hidrelétricas. Em outros lugares, como nos Estados Unidos, o setor está calçado em termelétricas. A predileção tropical por hidrelétricas não é destituída de sabedoria. O sistema de geradoras interligadas tem algumas vantagens. A primeira delas mexe no bolso: a água é mais barata do que o carvão. Estima-se que o custo do megawatt é metade do registrado em termelétricas. Embora o país tenha optado por obras faraônicas que implicaram o desvio do curso de rios, tem-se como consenso que as usinas movidas a carvão provocam danos ainda mais graves ao meio ambiente.

VIRTUDES – Mas a principal virtude do sistema de hidrelétricas é a possibilidade de transferir energia de uma região à outra. Neste caso, uma mão lava a outra, literalmente. Graças a um regime de chuvas bastante diferenciado, quando os reservatórios secam em determinada área, é possível socorrê-la puxando energia de outra. Há 69 anos, existem registros da quantidade de chuva que desaba do céu nas diversas regiões. Os métodos científicos permitem prever a tendência do fenômeno natural em ciclos de sete a oito anos. Com isso, é possível planejar com antecedência um modo de otimizar o sistema de distribuição e geração, o que não foi feito.
A regra básica para o bom funcionamento do sistema é guardar a água dos períodos “bons” de chuva para usá-la nos anos “ruins”. O problema é que, com a expansão do consumo e a falta de investimentos, fomos usando nossas reservas até dilapidá-las. Atualmente, os reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste – que concentram 68% da produção de energia no país – estão com apenas 31,55% de sua capacidade e os do Nordeste caíram para 32,59%. O fato é mais grave na medida em que, por aquelas bandas, o período da seca está apenas começando e deverá se estender até novembro. Daí a necessidade de racionamento.

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