O leitor desta coluna alguma vez já ouviu falar em copromancia? Não? Pois essa palavra dá título ao primeiro dos contos do mais recente livro de Rubem Fonseca, Secreções, Excreções e Desatinos (Companhia das Letras, 141 páginas). Não procure o dicionário. O neologismo serve para definir a prática pouco ortodoxa de um de seus personagens. Trata-se de um sistema para ler a sorte, não em cartas de tarô ou bolas de cristal, mas nas próprias fezes. Que nojo, hein? Mas isso é só o começo. A cada conto, o autor revela uma diversidade de tipos e situações, aparentemente bizarras, escatológicas, porém, intimamente ligadas às nossas vidas cotidianas.
Fonseca está longe de ser uma unanimidade junto à crítica especializada. Para alguns, como o jornalista e tradutor Toni Marques, por exemplo, sua literatura está morta desde que escreveu A Confraria dos espadas. Para outros, como o professor Alcir Pécora, da Unicamp, que também é colaborador da Folha de São Paulo, seu livro, apesar da temática recorrente “não fede nem cheira”. Mas para a grande maioria, trata-se do maior contista brasileiro vivo. Um parêntese: já tem até mesmo seguidores, como a incensada escritora paulista Patrícia Melo, aluna assumida. Ela é autora do badalado, Inferno. Ela segue os passos do professor ao estrear também como roteirista de cinema, em Buffo & Spallanzani, baseado em obra do próprio Rubem Fonseca. Também é autora de uma das peças de maior sucesso no ano passado no Rio, Duas mulheres e um cadáver . Fechar parêntese.
Já Luis Fernando Verissimo, que dispensa apresentações, disse recentemente na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, em um debate sobre se existe ou não ‘o romance policial brasileiro’, que Mandrake, o personagem do livro A grande arte – que também virou filme com roteiro do próprio Rubem, – é tipicamente brasileiro. Com isso ele quer dizer: a velha idéia de que a literatura policial escrita no Brasil copia os clássicos do gênero originalmente escritos em língua inglesa está mudando, e, graças à influência de escritores como Rubem Fonseca. Mas não pense que Excreções… é um livro policial. Nada disso. Trata do ser humano tal como ele é, produtor de excrementos, misturando prazer e secreções e produzindo pensamentos, devaneios, desatinos. E, se os personagens são estereotipados ou não, pouco importa, o texto engole o leitor antes mesmo que a primeira gota de saliva desça pela garganta.