O vendedor Carlos, de 32 anos, nascido em Lisboa, foi abandonado pela mãe quando pequeno. Aos 14 anos a avó, com quem vivia, morreu. Foi para as ruas. “Tenho mãe, mas ela nunca quis saber de mim”, lamenta. Ainda a procurou, descobriu que tinha um irmão, mas nunca teve ajuda de ninguém. Assim tornou-se um Sem Abrigo, mendigou e ganhou vícios que o faziam gastar todo o dinheiro que conseguia ao pedir esmolas pelas ruas de Lisboa.
Sobreviveu como pode. O desejo de constituir uma família levou-o a pedir ajuda. O que buscou em uma das instituições que servem de centro de distribuição da revista Cais. “A minha vida me deixou marcas profundas, jamais irei esquecer”, conta. Passado algum tempo, com o dinheiro recebido com a venda das revistas, já tinha um quarto numa pensão. Com residência fixa pode passar a receber o Rendimento Mínimo Garantido (programa de renda mínima português). Mas não dispensou, no entanto, a venda de Cais. “A minha vida é razoável, gasto menos, poupo mais, estou me organizando”, diz. Atualmente trabalha durante a noite em um albergue. Há cerca de 1 ano casou-se e agora tem uma filha, tem casa própria e vive em Lisboa. Embora já inserido, Carlos ainda vende a Cais para ajudar nas despesas da família e da casa.
Francisco, com problemas de alcoolismo, tem hoje 53 anos e um passado duro de relembrar. Começou a beber bastante cedo. Tornou-se um alcoólatra. Sem saber como, um dia envolveu-se numa briga e só deu por si na cama de um hospital, “todo machucado”. Foi encaminhado para um tratamento de desintoxicação e acabou por ir parar na Casa Abrigo Padre Américo, em Coimbra, onde começou a ser vendedor da Cais. Sentiu-se bem na função, começava a ter de novo, o contato com a sociedade, a pertencer a ela.
Também tornou-se mecânico de automóveis. “Vendia a Cais mas naquelas horinhas em que tinha folgas”, recorda. Na Casa Abrigo fez muitos amigos. Foi lá que conheceu a família da Olívia. A Olívia tem hoje 51 anos e 5 filhos entre os 24 e os 15 anos. O marido sofreu um grave acidente, ficou paraplégico. Passado pouco tempo a casa onde moravam em Coimbra incendiou. Olívia ficou sem nada além de 5 filhos e um marido numa cadeira de rodas. Foi viver na Casa Abrigo. Agora, Olívia tinha uma família inteira dependendo dela. Começou a vender a Cais. Foi difícil, “não estava habituada a andar na rua. Francisco foi um grande amigo”, começou a vender com a Olívia e ainda hoje vendem juntos.
Há 1 ano, com a venda da Cais e algumas ajudas, conseguiu arrendar uma casa onde mora agora com a família toda. O Francisco é como se fosse da família, todas as semanas vai lá na casa “cuidar da hortinha porque o dinheiro não chega para comprar tudo no mercado” e agora também já há uma neta e uma nora. A casa fica longe de Coimbra. De qualquer forma “vou todos os dias para ver se levo qualquer coisinha”, diz ela. Já Francisco, hoje em dia, trabalha numa pensão, “já há 13 meses”. Trabalha de noite e vende a Cais de dia. “Muitas vezes o que ganho é para a família da Olívia, eles precisam… mesmo com alguns filhos já trabalhando, mas os rapazes também querem comprar as suas coisinhas.” Francisco já está integrado sócio-profissionalmente mas agora quer ajudar a Olívia. “O passado foi passado, agora a minha vida é esta e eles são como se fossem a minha família.”