Existe um cartum antológico do marciano perdido no meio de um deserto, se arrastando pelo chão e pedindo: “Amoníaco, amoníaco…”
As variações possíveis sobre o tema são infinitas.
Um inglês arquetipal no meio do deserto, há uma semana sem beber uma gota, se arrastando pelo chão e pedindo: “Gin-tônica, gin-tônica…”
O pobre coitado que, além de da sedem está um pouco nervoso com a situação:
– Água com açúcar, água com açúcar…
E, claro, o náufrago abandonado no meio do oceano, já sem forças para se manter à tona, só com a cabeça fora da água e pedindo:
– Um deserto, um deserto…
Uma vez também fiz um cartum (está bem, não era antológico) em vários quadros. No primeiro quadro o homem, perdido no meio do deserto, com a língua de fora, pedia “Johnny Walker Black Label, Johnny Walker Black Label…” Dois quadros depois, o homem pedia “Red Label, Red Label…” E no fim, desesperado, “Drury’s, Drury’s…”
O pudico, sozinho no meio do deserto, longeda civilização e seus recursos, de repente vê uma miragem no horizonte e sai correndo em sua direção.
– Um mictório público, um mictório público…
Mas a pior miragem é a que não era miragem.
O americano perdido no meio do deserto julga avistar um stand de hamburguers tremulando no bafo, sai correndo e descobre que é só um guichê de pedágio. Ou então é um stand de hamburguers mas não tem ketchup.
Um francês perdido no meio do deserto avista um oásis estocado com vinho branco, na temperatura ideal. Vai ver e não é miragem! O vinho existe mesmo! Mas – zupt!- a safra é de um ano inferior.
Um egípcio e um israelense, perdidos no meio do deserto do Sinai, chegam a um oásis. Quando se preparam para mergulhar na água, com roupa e tudo, percebem que estão sob a mira da arma de um palestino. O israelense se atira nos braços do egípcio e grita:
– Meu grande amigo, vamos morrer juntos!
O egípcio tenta fugir do abraço comprometedor mas é fuzilado pelo palestino, que grita:
– Traidor!
Depois, o palestino aponta sua arma para o israelense, que argumenta, indicando o corpo do egípcio:
– Perdi um grande amigo. Será que isto não é sofrimento bastante?
O palestino concorda e poupa a vida do israelens, que mergulha na água. Só para descobrir que não havia água nenhuma, era uma miragem.
– Se isto é uma miragem, por que você a guarda? – pergunta o israelense.
– Porque é só o que eu tenho – responde o palestino, misteriosamente.
O cronista perdido no meio de um deserto de assuntos:
– Uma parábola, uma parábola…
O Cláudio Coutinho perdido no meio do deserto, já quase delirando:
– Um ponteiro, um ponteiro.
O devoto:
– Água benta, água benta…
O depravado:
– Absinto, cigarros turcos e um anão albino. Absinto, cigarros turcos e…
O detalhista:
– Água potável, água potável…
O pedante:
– H2O, H2O…
O cavalo
– Égua, égua… (Desculpe)
O literato:
– Precioso líquido, precioso líquido…
O nostálgico
: – Gunga Din, Gunga Din…
O ambicioso:
– Um aguaceiro, um aguaceiro…
O prático:
– Um bebedouro, um bebedouro…
O calculista:
– Uma mulher bonita com um garrafão de água, uma mulher bonita com um garrafão de água…
O exagerado:
– Um carro-pipa, um carro-pipa… Com a Jacqueline Bisset na direção…
O Volkswagen:
– Ar, ar…
Um peixe dentro do Guaíba
: – Água, água (Sutil, sutil.)
* Do livro O Rei do Rock (RBS/Editora Globo, 1978)