MOVIMENTO

Trabalho voluntário capitaliza cidadania

Victor Lourenço / Publicado em 9 de outubro de 2000

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Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

O trabalho voluntário é um conceito de trabalho que vem sendo desenvolvido na prática em países onde o poder público já não tem condições de atender a crescente demanda social. É o chamado terceiro setor. Este tipo de trabalho reúne três tipos de atividades, ligando-as de modo a se complementarem. Primeiro, é uma oportunidade de trabalho para as pessoas que ainda não têm experiência ou para aquelas que já tem experiência e estão aposentadas e mesmo para os que estão na ativa e sentem a necessidade de fazer algo de útil em suas horas de folga. Segundo, é uma fonte de recursos humanos para as entidades que prestam algum de assistência social, recreação ou atividades especiais, sempre carentes de recursos financeiros para pagamento de pessoal para manterem-se em funcionamento. Terceiro, reunindo as duas anteriores, existe a função de ligação entre aqueles que querem prestar algum tipo de colaboração voluntária e as entidades que necessitam destes trabalhadores.

Se o conceito de trabalho voluntário é novo, a idéia não é. Os mutirões entre amigos ou vizinhos é uma prática antiga que dá uma noção do que seja o trabalho colaborativo sem fins lucrativos. A solidariedade e a parceria são as características desta ação coletiva, mas que estava restrita aos objetivos imediatos de um pequeno grupo ou família – a construção de uma casa ou similar. Já o trabalho voluntário põe em contato pessoas que não se conheciam antes, tendo origens as mais diversas, assim como formações completamente diferentes.

Alguns coorperativados estavam isolados da sociedade há dois anos

Foto:René Cabrales

Alguns coorperativados estavam isolados da sociedade há dois anos

Foto:René Cabrales

A prestação de trabalho voluntário abarca uma série de funções, desde as assistenciais, monitoria, até o planejamento e a contabilidade. Entre as funções importantes, para quem necessita ou presta algum tipo de trabalho voluntário está a captação de recursos financeiros. Neste ponto surgem dúvidas sobre o tema. São cada vez mais freqüentes os pedidos de auxílio em dinheiro que chegam até o cidadão, seja por telefone ou diretamente nas ruas. As entidades que fazem estes pedidos, no entanto, nem sempre estão cumprindo, de fato, com alguma função social. É preciso estar atento e exigir credenciais, endereço e identificação dos beneficiários para ter algum controle sobre as doações. Do contrário, corre-se o risco de estar contribuindo para uma ‘picaretagem’ em nome do social.

Já as entidades sérias, que atuam com assistência social e outras atividades afins, geralmente fazem a sua captação de recursos através de projetos de financiamento, direcionados para agências governamentais locais ou de cooperação internacional (governamentais ou não-governamentais), sem descartar a contribuição direta das pessoas da comunidade.

Driblando a falta de recursos

A Cooperativa CrêSer – Pais e Filhos Especiais Ltda – está em atividade há poucos meses e já tem do que se orgulhar. Os jovens trabalhadores associados à CrêSer já apresentaram progressos importantes. Bastou ter a estrutura física, a oportunidade de trabalho e a companhia de outros jovens na mesma situação para que eles apresentassem melhoras significativas no aspecto social e pessoal.

A idéia de uma cooperativa que abrigasse jovens deficientes acima de 21 anos de idade surgiu da vivência de Carmen Carbone, atual presidente da entidade. Ela pensou em como ocupar a sua filha depois que ela saísse da escola. Uma lei municipal determina que os jovens excepcionais ou portadores de alguma deficiência só podem ficar na escola pública até os 21 anos. Assim, em 1997 os pais de jovens nesta situação fundaram a cooperativa, mas somente em abril deste ano é que as atividades começaram para valer. Foi necessário obter uma área para construir o prédio da cooperativa. O município de Porto Alegre cedeu o terreno na rua Capitão Pedro Werlang, bairro Intercap, e, através do Orçamento Participativo, foram obtidos os recursos financeiros para erguer o prédio de 320 metros quadrados. Atualmente, a CrêSer conta com 101 associados mas só consegue dar ocupação para cerca de 25 jovens no turno da tarde. A falta de pessoal é o principal impedimento para que mais jovens possam trabalhar.

Além das carências de recursos humanos, a cooperativa ainda precisa superar a fase inicial de implantação, em que busca maior visibilidade junto às empresas e, deste modo, garantir um fluxo contínuo de trabalho para seus associados.

Os 25 associados executam serviços terceirizados para duas empresas

Foto: René Cabrales

Os 25 associados executam serviços terceirizados para duas empresas

Foto: René Cabrales

Os jovens trabalhadores prestam serviços manuais de baixa complexidade, como dobraduras, empacotamentos, montagem de peças, separação de componentes e todo tipo de serviço manual. A CrêSer é uma cooperativa autônoma. Se mantém com seus próprios esforços, seja na prestação de serviços para empresas, pela confecção de artigos de artesanato, cucas e atividades sociais para obtenção de recursos. Uma parte do dinheiro arrecadado é destinada à manutenção do prédio e o que sobra é dividido entre os associados. O objetivo principal da CrêSer é gerar renda para os jovens trabalhadores e seus familiares pois a realidade do mercado de trabalho é implacável com pessoas portadoras de deficiência. Somente 5% deles consegue alguma colocação no mercado formal, informa a presidente da cooperativa.

O que sustenta o funcionamento da CrêSer é o trabalho voluntário de pais e mães, de alguns profissionais que participam e, mais recentemente, de alunas estagiárias do curso de Terapia Ocupacional do IPA. A carência de recursos humanos é o maior obstáculo para manter a cooperativa em atividade. Trabalho não falta e, por enquanto, são as mães voluntárias que assumem a maior parte das funções. De acordo com Carmen Carbone, a CrêSer precisa de alguém para trabalhar a parte de culinária, instrutores de cursos para as mães, monitores para auxiliar os jovens, assistentes sociais, psicólogos, ajudantes para a limpeza e conservação das instalações e de um contador para tratar da parte financeira.

Atualmente a CrêSer funciona só no turno da tarde, das 14 às 17h30min, mas tem um projeto de ampliar suas atividades para o turno da manhã. São necessários, no entanto, recursos humanos para manter a entidade funcionando em mais um turno. Enquanto isso, os 25 associados, que têm idades entre 21 e 40 anos, vão se ocupando com o serviço que uma metalúrgica e uma agência de publicidade terceirizaram com a CrêSer. Eles vêm, em sua maioria, das escolas municipais de Porto Alegre, da zona Norte, zona Sul, Restinga, Cristal, Parque do Sol e Escola Lígia. Uma parte das vagas, 15%, é destinada a alunos de outras escolas e também para moradores do bairro.

Aos poucos o trabalho vai ganhando formas mais consistentes e as resistências vão sendo vencidas. Em primeiro lugar, obter a confiança das empresas, depois dos moradores da vizinhança, que ainda não estão acostumados com a presença da cooperativa. Mas isto também está sendo superado. O mais importante é que os jovens estão apresentando progressos importantes. Alguns estavam há anos isolados da sociedade, praticamente presos em suas casas, e agora, através do convívio e do trabalho vão recuperando uma parte da sua cidadania. Segundo Carmen, eles estão motivados com o trabalho e com as novas amizades e, o principal, se sentido úteis e produtivos. Um aspecto importante é que a capacidade de concentração deles, antes limitada, agora já é maior e eles conseguem realizar as tarefas com empenho e dedicação, ressaltou Carmen. A CrêSer fica na rua Cap. Pedro Werlang, 1001, bairro Intercap, telefone (51) 384-3603.

Em Porto Alegre, a função de intermediar os voluntários que buscam colaborar e as entidades que necessitam de recursos humanos é realizada pela ONG Parceiros Voluntários, que tem sua sede na rua Largo Visconde do Cairu, 17, 8º andar. Através desta organização não-governamental, as pessoas interessadas em ser voluntárias e as entidades assistenciais que necessitam de colaboradores são colocadas em contato. De um lado, os Parceiros Voluntários já cadastraram mais de sete mil voluntários em todo o Rio Grande do Sul. De outro, são 102 instituições conveniadas que integram o banco de dados da ONG.

Segundo os dados coletados pela entidade, o perfil do colaborador é o seguinte: 76% são mulheres, 59% têm entre 25 e 50 anos e 66% possuem escolaridade em nível superior. Os homens, portanto, ainda são minoria entre os voluntários, assim como os jovens. No item escolaridade, chamou atenção o fato de que, entre os cadastrados, apenas 1% tem especialização ou mestrado. No quesito idade, o segundo grupo mais atuante é o que tem mais de 50 anos.

Para ser voluntário basta ter a disponibilidade de pelos menos três horas por semana e entrar em contato com os Parceiros Voluntários. Após uma entrevista, os colaboradores são encaminhados às entidades onde recebem o treinamento específico para a sua área de interesse. No cadastro existem pessoas de todas as profissões, mas isso não quer dizer que elas vão atuar em suas respectivas áreas. Ao mesmo tempo, se o voluntário não se adaptar ao tipo de trabalho designado, há possibilidade de encontrar nova colocação. Trabalho não falta.

Já as entidades que buscam recursos humanos para tocar suas atividades também devem fazer um contato e preencher uma ficha cadastral. Quase sempre o encaminhamento de voluntários acontece rapidamente. Os interessados em prestar trabalho voluntário e as entidades assistenciais podem procurar os Parceiros Voluntários em sua sede ou pedir maiores informações pelo telefone (51) 227-5819.

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