CULTURA

Samba para derrubar muros

Publicado em 10 de setembro de 2000
Irreverência: a banda real disfarçada de seguranças

Foto: Divulgação/Abril Music

Irreverência: a banda real disfarçada de seguranças

Foto: Divulgação/Abril Music

Derrubar muros tem sido um dos papéis principais do grupo pernambucano Mundo Livre S/A. Surgido no embalo de uma agitação cultural genericamente definida como “mangue bit”, numa referência à música com elementos eletrônicos de versos centrados na situação social dos manguezais do Recife desenvolvida pelo precocemente falecido Chico Science e sua Nação Zumbi, o Mundo Livre S/A chega a um novo disco demonstrando plena coerência musical e ideológica. A capa de Por Pouco é uma referência direta ao “muro americano”, um paredão de aço e concreto com mais de três mil quilômetros que vai de Tijuana, no Oceano Atlântico, a Matamoros, no Pacífico, dividindo/demarcando a fronteira entre Estados Unidos e México e funcionando como instrumento para inibir a imigração ilegal de mexicanos para os EUA. Nos últimos cinco anos, mais de dois mil cidadãos mexicanos morreram na tentativa de fazer essa travessia para o “suposto mundo livre”, como lembra a capa de Por Pouco. A idéia da capa se transfere para a primeira faixa do novo disco, O Mistério do Samba, onde Fred Zero Quatro, líder do Mundo Livre S/A, anuncia a democratização do clássico gênero musical justamente por sua desestigmatização. “O samba não é carioca, o samba não é baiano”, inicia, e conclui: “o samba não é do Gugu, o samba não é do Faustão.

Para atingir os resultados de Por Pouco, “foi um longo processo”, lembra Fred em entrevista por telefone ao Extra Classe. “Entre nosso disco anterior, Carnaval, e Por Pouco se passaram três anos, a gravadora que lançava nossos discos, a Excelente, foi adquirida pela Warner e o contrato novo com a Abril foi um desafio porque, a princípio, era uma gravadora muito nova, quase um protótipo de selo alternativo comandado por um grande grupo de comunicação”, historia. “Esse fato, de estarmos trabalhando com uma empresa de alcance nacional, que possui braços fortes na mídia, gerou expectativa de como ia ficar a coerência com nossa postura artística e política já conhecida do público, trabalhando dentro do segundo maior grupo de comunicação do País”, completa. Uma mudança de comando na Abril Music chegou a preocupar mais ainda a banda durante o período de gravações do novo disco, mas o diálogo com a nova direção da gravadora evoluiu para o caminho de um entendimento pleno. “Acho que essa direção entendeu nosso discurso diferente em relação a maioria dos grupos pop. Notamos um respeito por nosso trabalho nas condições que foram oferecidas em termos de estúdio e a possibilidade de finalizar o disco em Los Angeles”, conta Fred. Para ele, a relação com a Abril Music é uma parceria que permite ao Mundo Livre disputar o mercado fonográfico sem precisar fazer qualquer concessão em seu projeto artístico. A capa do novo disco é definida por Fred como uma “metáfora da exclusão”. “A gente quer falar de algo mais amplo, da exclusão da favela em relação ao shopping, do centro em relação à periferia. Há um muro quase invisível, como as divisões de classe ignoradas pela mídia. Há uma diferença brutal entre o Brasil real e o Brasil vitual. São milhões de dólares destinados à nova economia tecnológica e lá vai o ônibus todo enfeitado com painéis anunciando servidores de internet e o peão da obra ali em frente nem sabe o que é internet.” (J. J.)

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