Passaporte brasileiro, aprendi recentemente, vale ouro. Não exatamente como imunidade ou salvaguarda no caso de alguma encrenca internacional, não. Num caso desses, como bem se imagina, estaria melhor quem apresentasse um passaporte norte-americano ou canadense, ou ainda de qualquer país da Comunidade Européia. Mas o brasileiro vale, sim, um bom dinheiro, cerca de dois mil dólares, segundo me informaram, para quem desejar vendê-lo – e arcar com os conseqüentes riscos, é claro – nos mercados negros de Londres ou de Paris.
Como se explica isso? Pelo simples fato de que somos uma nação de muitas culturas, o paraíso da miscigenação, desde as várias raças que nos formaram aos povos imigrantes há bom tempo já estabelecidos, integrados e aculturados. Para alguém que pretende se utilizar de (ou repassar) um passaporte falso, nada mais cômodo. Um turco, um oriental, um negro senegalês, um branco caucasiano, nenhum deles há de causar maior estranhamento ao apresentar credenciais brasileiras. Já um passaporte sueco despertaria desconfiança imediata, nas mãos de alguém que não fosse alto, loiro e se chamasse Sven Völvfst ou coisa parecida.
Bacana, não? Podemos então festejar, por essas linhas tortas, uma alta cotação da nossa nacionalidade. E ficamos por aí. Nada que chegue a afetar a empáfia com que seremos tratados no dia-a-dia pela maioria dos europeus. Nada pessoal, também, que a todos os estrangeiros do terceiro mundo está reservado o mesmo muxoxo e café frio. Turista vem de cima da linha do equador, e olhe lá. O resto é imigrante em potencial.
E a questão da imigração pega fogo, não é de hoje, por todo o mundo. Nos EUA, a Califórnia está prestes a se tornar o primeiro estado continental (o Havaí fora) onde os negros, os imigrantes latinos e os orientais vão somar mais de 50% da população. Imagine-se o pavor que projetam para o futuro as tradicionais comunidades saxônicas e protestantes, cientes de que essa porcentagem dobrou nos últimos 30 anos, e sem disposição para parir uma resposta à altura.
Não há de ser diferente esse sentimento de impotência em todos os países da Comunidade Européia, seja em maior ou menor grau, do neonazismo declarado na Áustria ao muxoxo francês atenuado pelas vitórias futebolísticas de uma seleção plurirracial. E é claro que concedem algo, que se perguntam quem iria limpar as latrinas, dirigir os ônibus e cuidar das crianças se mandassem os estrangeiros todos embora.
Sem solução fácil ou de curto prazo, o problema parece sugerir dois caminhos: primeiro, o de que a partir de agora os tios sams da vida tomem mais cuidados na hora de contribuir para a marginalização das populações dos seus quintais, ou seja, do resto do mundo todo. Segundo, no estilo relaxar e gozar, talvez seja hora de compreenderem melhor o modelo brasileiro de nacionalidade que, por mais hipocrisia, sinhazinha e exclusão que carregue, é de longe um primeiro mundo em matéria de convivência multicultural.
Problema deles, é claro. O nosso é cuidar para que essa alegre diversidade seja parceira de justiça e riqueza compartilhadas do Oiapoque ao Chuí. Entre outras coisas, para que ninguém mais precise vender seu passaporte.