GERAL

A nova cara da luta do campo

Higino Barros / Publicado em 16 de junho de 2000

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Movimento dos Pequenos Agricultores se alastra no estado e começa a espalhar ações de ocupações e greves de fome por outros seis estados brasileiros, seguindo as formas de luta do MST. Pequenos agricultores já somam 200 mil famílias no Rio Grande do Sul e prometem rodada de novos protestos para julho. Colonos querem financiamento, seguro agrícola e preço mínimo para não serem os sem-terra de amanhã

A população da capital gaúcha foi surpreendida, no último dia 2 de abril, por um protesto contra a política agrícola do governo federal. Dezenas de colonos ocuparam a avenida Alberto Bins, uma das principais artérias de comunicação da cidade, montaram barracas em frente à sede do Banco Central e, durante três dias, expuseram suas queixas e reivindicações.

A ação, barulhenta e de grande visibilidade, ao contrário do que seria de se supor, não foi promovida pelos integrantes do MST. Desta vez, no local, marcava presença o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), uma entidade que aos poucos vem ganhando força com práticas semelhantes às dos colonos sem terra.

“Praticamos quase os mesmos métodos do MST, com quem temos grandes afinidades, já que acreditamos que o governo FHC só reage depois de pressionado. E tem de ser pressão constante e prolongada. Não é para fazer piquenique”, argumenta Áureo Scherer, uma das lideranças do MPA no Rio Grande do Sul. Ele diz que a entidade é responsável por introduzir o tema da agricultura familiar na agenda dos governos estaduais e federal. E faz questão de esclarecer as semelhanças, mas também as diferenças, entre as duas entidades, que fazem oposição cerrada ao governo federal.

Scherer aponta a principal diferença entre os integrantes da organização a que pertence e os do MST. “O pequeno agricultor é aquele que luta, hoje, para não ser colono sem terra amanhã”, diz. Enquanto os sem-terra clamam por reforma agrária e direito à propriedade, o pequeno agricultor luta por crédito financiado, seguro agrícola e incentivos que o governo federal só concede aos grandes e médios proprietários.

Agricultores do MST vigiados pela Brigada Militar: inspiração para o MPA

Há uma crença que parte dos quadros do MPA são formados por ex-colonos sem terra, proprietários de lotes em assentamentos do MST que, sob a ameaça de perderem suas terras e acostumados à militância dos acampamentos, aderiram à luta do MPA. Os dois lados tratam de desfazer o equívoco e um argumento serve como revelador das diferenças. É considerado pequeno agricultor o proprietário de lotes com dois, três ou no máximo cinco hectares. Em geral, o assentado vinculado ao MST recebe lotes de 18 a 20 hectares e desenvolve suas ações reivindicatórias através da própria entidade a que é associado.

Segundo cálculos do MPA, existem cerca de 200 mil famílias de pequenos agricultores em solo gaúcho. O movimento, fundado em 1996, tem representação em 104 municípios gaúchos e alcança mais seis estados brasileiros (Santa Catarina, Paraná, Rondônia, Espírito Santo, Mato Grosso e Minas Gerais). Não há registro ainda de quantos agricultores fazem parte do movimento nesses estados, mas, além do Rio Grande do Sul, ele tem presença marcante no Paraná e em Rondônia, áreas onde é forte a participação gaúcha em projetos de migração. A entidade prepara-se para, ainda este ano, ter representações na maioria dos estados do Nordeste, onde o perfil do pequeno agricultor coincide com os de outras regiões onde já existe o MPA.

O Movimento dos Pequenos Agricultores nasceu na região de Sarandi, região Noroeste do estado, durante a grande estiagem que assolou o Rio Grande do Sul em 1996. Angustiados com a falta de resposta dos governos estadual e federal para suas reivindicações, cerca de cinco mil pequenos agricultores acamparam à margem da principal via rodoviária da região, a BR 386. O protesto durou três semanas e, no auge da ação, havia 30 mil pessoas no local. As autoridades estaduais da época não puderam ignorar o fato e foi criada, então, uma linha de crédito para auxiliar os pequenos agricultores. Foi o chamado “cheque-seca”, no valor de R$ 400.

Quem esteve à frente do protesto foram lideranças sindicais, religiosos e leigos ligados à Pastoral da Terra e de outras entidades representativas de pequenos agricultores, que sentiram o esgotamento de ações anteriores e resolveram adotar algumas práticas do MST, entre elas, marchas e passeatas, acampamentos, greves de fome e ocupação de prédios públicos.

A segunda grande ação do MPA ocorreu um ano depois. No início de 1997, cerca de 500 pequenos agricultores saíram do município de Montenegro (região Central) e se dirigiram, caminhando, a Porto Alegre, terminando o percurso em frente à Secretaria Estadual da Agricultura. Em maio do mesmo ano, ocorreu também o Comboio da Agricultura Familiar, na região de Carazinho, que reuniu 700 pessoas, máquinas agrícolas e veículos dos pequenos agricultores.

Em julho do mesmo ano, quase 800 colonos, já ligados ao MPA, ocuparam uma área próxima ao terreno destinado à fábrica da GM em Gravataí e, em setembro, houve novo ato de efeito. Oito pequeno agricultores (sete homens e uma mulher) fizeram greve de fome durante 17 dias.

A partir dessa movimentação, os pequenos agricultores foram contemplados com o chamado Pronafinho, uma verba de custeio federal no valor de R$ 500 a R$ 1,5 mil, com desconto de R$ 200 no momento de saldar o empréstimo.

O movimento discute hoje o modelo agrícola do país, é a favor da agricultura ecológica e deseja ser contemplado com igualdade nos programas de financiamento do governo federal, que priorizam culturas exportadoras e de grande porte. Em julho, o MPA promete mais ocupações: irá promover, juntamente com outras entidades representativas de agricultores, o “ Levante do Campo”. As ações são mantidas em sigilo, mas, em se tratando de uma organização nascida nos moldes do MST, é de se esperar muito barulho nas maiores cidades do estado.

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