EDUCAÇÃO

Um mistério próximo do fim

Francisco Salzano / Publicado em 21 de maio de 2000

A notícia recente, feita pelo norte-americano Craig Veuter da Companhia Celera (associada à Perkin Elmer) e situada em Rockville (Maryland, Estados Unidos), de que havia sido finalizado o seqüenciamento completo do material genético de um indivíduo causou sensação em todo o mundo. E não é para menos, pois estamos agora mais perto do esclarecimento de como funciona a nossa herança biológica.

Por que que quando um casal de nossa espécie – após as clássicas fases do namoro, noivado e casamento (é verdade que algumas vezes este processo é simplificado) – gera uma criança ela vai se parecer com ambos e não, digamos, com um tomate? Tudo depende, em última análise, de uma substância cuja sigla tornou-se agora de conhecimento comum, o DNA (ou “desoxiribonucleic acid”, ácido desoxirribonucleico). É ela que transmite a informação genética de uma geração a outra, através de um processo complexo que envolve também outra substância, denominada RNA (“ribonucleic acid” ou ácidoribonucleico), e a proteína que constitui o nosso corpo. Nada menos do que 3 bilhões de nucleotídios (as unidades que compõem a cadeia em dupla hélice do DNA) existem no nosso genoma (o conjunto do material genético). Por aí pode-se imaginar a enormidade do feito acima anunciado: estabelecer, tintim por tintim, como se arranjam essas 3 bilhões de unidades no DNA da espécie humana.

Para se ter uma idéia da rapidez com que estão ocorrendo os desenvolvimentos na área da genética, basta dizer-se que há apenas 60 anos havia dúvidas se o material genético era realmente o DNA. De lá para cá o progresso foi estonteante. Com relação especificamente ao Projeto do Genoma Humano, ele foi iniciado oficialmente nos Estados Unidos em 1991, após cinco anos de debates e planejamento. A meta era finaliza-lo em 2005. Em 1998 já havia sido gasto US$ 1 bilhão nas pesquisas, quando foi anunciada a criação da Celera, que por US$ 200 milhões comprometia-se a realizar o seqüenciamento em três anos.

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O resultado aí está. Isto não significa que tudo esteja resolvido. Ainda falta estabelecer a montagem definitiva das seqüências, ou seja, organizar os 3 bilhões de nucleotídeos, e este é apenas o primeiro passo, embora gigantesco. A partir daí é necessário identificar-se as unidades de funcionamento, que vão determinar, através do caminho DNA, RNA, proteína, o nosso destino biológico. O trabalho não será trivial, porque para que os genes funcionem são necessários requisitos básicos de interação ao nível das células (as partes componentes de nosso organismo), os quais ainda são muito pouco conhecidos.
Como foi possível chegar-se a este resultado tão rapidamente? Isto foi possível por uma feliz combinação de técnicas biológico-moleculares com a ciência da informação, com computadores. Um dos desenvolvimentos mais sensacionais foi o dos biochips, ou chips de DNA, que permitem a análise simultânea (monitorada por robôs também especialmente desenvolvidos) de mil a 10 mil genes (as unidades de funcionamento do DNA).

O seqüenciamento completo de nosso genoma já foi precedido pelo de outros organismos mais simples, como bactérias, e recentemente da mosca das frutas, a Drosophila, organismo fundamental, desde o início do século 20, para os estudos da hereditariedade.

No Brasil, cientistas da Fapesp montaram a estrutura que possibilitou, no início deste ano, o seqüenciamento completo do DNA de uma praga de citros, a bactéria Xylella fastidiosa. Esse seqüenciamento constituiu-se no primeiro genoma concluído fora do eixo Estados Unidos-Europa-Japão.

*professor do Departamento de Genética, Instituto de Biociências, da Ufrgs

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