Fiquei sarapantado ao ler, no último Extra Classe, o artigo da Dóris Fialcoff sobre a chegada do projeto das Cidades Educadoras, que “providenciará que os pais recebam formação que lhes permita ajudar os filhos a crescer”. Que maravilha!
Lembrei-me de minha infância em Piratini, quando minha mãe se improvisou professora doméstica e quando o Padre Reynaldo me ensinava o Catecismo, só ficando fora do esquema o meu pai. Único médico da cidadezinha, este passava o dia enfiado no consultório ou zunindo no ford-de-bigode para atender aos doentes da campanha, sem tempo para conviver com o filho, como tanto gostaria. Até que teve uma idéia genial: comprou um belo cavalo para ele e uma petiça para mim e deixou-os pastando no campo do tio Godo, mas com as manhãs de domingo reservadas para sairmos troteando e proseando nas coxilhas da redondeza. Eu já sabia andar a cavalo, mais ou menos, e dei pulos de alegria. Mas, já no domingo de estréia, um sobressalto. Lá nos íamos estrada afora, curtindo animadíssima prosa, quando o sino da Matriz começou a bimbalhar, convocando os fiéis para a obrigação da missa dominical (com um único horário, o das 10 horas), e tive a nítida impressão de que o Padre Reynaldo estava era convocando este fujão. Na mesma hora, murchei. Para encurtar a história: o recreio, na companhia paterna, terminou naquela estréia, pois, das múltiplas ocupações de meu pai, somente sobravam para folga as manhãs de domingo. Eu tinha que optar, e optei.
Trinta anos depois, em São Paulo, estava eu envolvido com minhas múltiplas ocupações como jornalista e redator de propaganda quando meu primogênito Guilherme chegou à idade de entrar para uma escola. Tomei todas as informações possíveis e certifiquei-me de que o estabelecimento de ensino mais avançado, de metodologia mais respeitada, mais prafrentex, era a Escola Vocacional Luiz Antônio Machado. E não deixei por menos. “Felicidades, piá!”.
Sobravam-me apenas as horas de domingo para curtir a companhia do Guilherme. Até que tive uma idéia genial. Como eu não tinha competência para lhe ensinar qualquer outra coisa, nos deveres de casa, acorreu-me ajudá-lo na matéria Português. Ele deu pulos de alegria. Chegamos até a redigir, juntos, umas historinhas infantis pequeninas, mas com certa graça. Mas aí me soaram nos ouvidos os sinos da Matriz: era a Vocacional me dando sério recado de que eu não me intrometesse onde não era chamado, pois, em vez de ajudar, eu estava era atrapalhando. Na mesma hora, murchei. Para encurtar a história: tive de trocar a parceria nos escritos do meu filho pela parceria de acompanhá-lo assistindo aos desenhos animados da televisão. Com que desânimo, bah!
Pelo que entendi do artigo de minha colega Dóris, hoje está aparecendo uma alternativa em que os pecados de outrora deixarão de ser pecados. Com uma formação adequada, tanto os professores como os catequistas e os pais vão poder se dar as mãos na difícil tarefa do crescimento intelectual/moral da gurizada. Ah! Como será bom viver numa Cidade Educadora! Compreensivo, ao tomar conhecimento de meu dilema o Padre Reynaldo certamente não terá dúvida em pedir para mim a exceção de uma dispensa especial da missa de domingo. A bondade de Deus dirá que sim. E a Escola, igualmente compreensiva, permitirá que meu amor paterno também se intrometa, sem abuso, na doce tarefa de despertar, num pequerrucho, o cada vez mais escasso amor pelas Letras.
Seja benvindo, ó iluminado projeto das Cidades Educadores!
* Luiz Carlos Barbosa Lessa é jornalista, historiador, folclorista e escritor.