Tinha mesmo de ser o inquieto historiador Mário Maestri a encarar um desafio prosaico só na aparência. Poucos intelectuais empreenderiam a tarefa de considerar Paulo Coelho e sua literatura com seriedade. Isto por si mesmo mostra a propriedade do suscinto e profundo ensaio do professor da Universidade de Passo Fundo, doutor pela Universidade de Louvain (Bélgica) e um dos especialistas mais qualificados na pesquisa do modo de produção escravagista no Brasil.
Um certo preconceito “aristocrático” que preside os salões da crítica literária no país impedia o estudo de um fenômeno que pode ser medido pela venda de 21 milhões de exemplares. Ou por uma ficção festejada por franceses, chilenos e italianos, e por milhões de almas da classe média brasileira. Ou então, por um autor prestigiado por personalidades tão díspares quanto Francisco Weffort, Augusto Pinochet e o dirigente italiano Massimo D’Alema, do PDS, partido da esquerda democrática. Partindo da indagação cunhada no título da obra, sem preconceitos e sem ataques supérfluos ao autor, Maestri desvenda o mistério sobre o sucesso do “mago escrivinhador”, como ele chama o autor de bestsellers como “O diário de um mago”, “O alquimista”, “As Valkírias”.
Maestri se imiscui no âmbito da literatura e suas teorias com rigor científico, sem dispensar a sua habitual verve de afiada ironia. Ao propor a questão “Por que Paulo Coelho teve sucesso”, de início, discute as posições conceituais do que é e do que não é literatura. Adota a orientação que enquadra a produção de Paulo Coelho na chamada “literatura trivial”, que abarca o “gênero” da autoajuda, uma das vertentes que constituem, junto com o esotérico”, os elementos integrantes dos livros de Paulo Coelho.
Sem exagero, o resultado é um exame sintético, profícuo e agradável de se ler sobre o processo cultural contemporâneo e sua indústria nos quadros do capitalismo neoliberal. Quer dizer, sobre a cultura de massas e a sua função para a hegemonia política. Maestri desnuda o combate entre a racionalidade e a irracionalidade, como extratos culturais determinados historicamente e suas expressões contemporâneas, incorporadas à disputa ideológica. Desta forma, naturalmente e indissociavelmente como estética e como ideologia política, Paulo Coelho reflete e registra um período em que o capital derrota ( Muro de Berlim) o movimento revolucionário engendrado no século passado e palmilhado neste século por experiências como a Revolução Russa e o Maio de 68.
A contravenção às regras da língua padrão, a exigüidade e repetição da estrutura narrativa e a pobreza da escritura de clichês e lugares comuns, assim como as saídas individualistas e esotéricas estão de acordo com a lógica do capitalismo triunfante, que fortalece as explicações mágicas para encobrir as razões de suas mazelas. Sem a arrogância míope daqueles que não leram e não gostaram, Maestri explica o fenômeno Paulo Coelho e, inclusive, identifica uma evolução temática e conceitual que verifica no livro mais recente, de 1998, “Veronika decide morrer”. Sem truque e sem magia.