As grandes cidades brasileiras hoje estão praticamente inabitáveis, muitas delas assemelhadas a São Paulo, que possui um habitat construído denso e verticalizado. Porto Alegre vem de algum modo resistindo. A capital dos gaúchos é diferente das demais cidades do país. Optou por um crescimento controlado, limitando índices construtivos e a altura dos seus edifícios. O porto-alegrense tem uma estima especial por seus bairros e ruas, onde há uma presença intensa da vegetação no ambiente construído, condições razoáveis de insolação e aeração e uma certa coexistência de arquiteturas do passado e do presente. E isto tudo implantado num sítio natural raro, às margens do Guaíba. O cidadão porto- alegrense está referenciado a esta configuração de paisagem onde se dá a fruição da sua vida. Há um sentimento de identidade e cidadania ligados a este ambiente. Estes valores creditaram a Porto Alegre o título de capital brasileira com melhor qualidade de vida do país.
Entretanto, o que propõe o 2.º Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre (PDDUA), em análise na Câmara de Vereadores? Propõe uma quebra de escala violenta, com o aumento de índices construtivos e edifícios com 45 metros para a cidade conformada entre o Guaíba e a 3.ª Perimetral, a chamada Cidade Formal, e nos Corredores de Centralidade em direção a Alvorada. A prefeitura pretende realizar a venda de índices através da Lei do Solo Criado para fazer caixa e, para isto, vai praticamente dobrar os índices atuais, disponibilizando um grande estoque de metros quadrados. Um adensamento que a infra-estrutura da cidade não comporta e, na outra ponta (curiosamente), nem existe demanda, pois o crescimento populacional de Porto Alegre é vegetativo.
Adensar mais para quê, se já temos no trânsito engarrafamentos que chega? Isto nos remete para a construção de um habitat massificado, árido e insalubre. O impacto ambiental será negativo. A rua, espaço da cidadania, deverá desaparecer. Cidadania entendida como o direito de viver na pólis, o direito à interação política e cultural no espaço urbano, ao habitat qualificado. A cidade espelha hoje um habitat de relativa qualidade porque adotou padrões internacionais para definir densidades, equipamentos, áreas verdes e atividades contidos no plano atual. O 2.º PDDUA prevê a volta a varrer dos espigões repudiados em tempos passados pela população, quando estes deveriam ser excepcionalidades, localizados estritamente em pontos da cidade em que a sua presença não seja impactante. As torres propostas com 45 metros ou 16 pavimentos significam dobrar a altura dos edifícios que hoje dominam a paisagem conformada pelo 1.º PDDU. Como ficarão as relações de vizinhança? Os recuos em relação às divisas foram, pasmem, reduzidos. Há situações em que é permitido construir 18 metros ou seis pavimentos nas divisas. Como ficará a coexistência de quem já obedeceu recuos com estes paredões cegos nas suas divisas? Só lhe restará fechar as cortinas, acender a luz e ligar ventilador ou ar condicionado.
Que cidade será esta? Uma espécie de São Paulo? Quem ganha com isto? Sabe-se quem perde: a maioria da população. É difícil de entender, mas o Plano parece estar muito ao sabor de interesses do mercado imobiliário. A Administração Popular, de tantos acertos, nesta questão do Plano Diretor está devendo. Insiste com este modelo, apesar das vozes contrárias, e que não são poucas. Não podemos involuir, contrariar nossa tradição de um crescimento mais espraiado, onde a democratização é dos benefícios e não dos prejuízos.
* Paulo Cesa é arquiteto e professor