CULTURA

Para eles, 1% de toda a terra

Gilson Camargo / Publicado em 24 de outubro de 1999

Donos legítimos do solo brasileiro , ainda lutam pelo direito à produção e a vida

Esperança. Assim o cacique caigangue Antônio Tomás Pereira, o Tino, sintetiza o estado de ânimo das comunidades indígenas no estado em relação à demarcação e posse de suas terras. Caigangues e Mbyá-guaranis vêm participando de encontros com representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), membros dos governos estadual e federal, de organizações não-governamentais, judiciário e até da polícia civil para a discussão da situação indígena. Quase 500 anos depois da chegada dos primeiros europeus a solo brasileiro, a posse da terra continua a ser uma questão controvertida quando se trata dos habitantes nativos deste país.

No calendário de reuniões, a pauta vai da questão agrária, que envolve a remoção e reassentamento de agricultores instalados em reservas indígenas, até a garantia de direitos elementares como educação bilingüe, atendimento de saúde diferenciado e a elaboração de um protocolo de intenções que assegure a autonomia dos caciques nas reservas. Caciques e representantes do governo estadual promoveram um encontro no início de setembro, em Passo Fundo, para tratar do envolvimento de índios com a Justiça e com a polícia. “A Justiça está interferindo com as lideranças, não estão respeitando nossa cultura”, denuncia o líder caigangue Antônio Pereira.

Segundo Maria Luiza Soares, coordenadora do Conselho Estadual dos Povos Indígenas, a soberania dos líderes nas suas comunidades tem peculiaridades que batem de frente com a legislação não indígena, o que tem gerado os conflitos. “Os índios propõem a elaboração de uma constituição própria que assegure a regulação interna, com autonomia para as lideranças, mas que não se contraponha às leis dos brancos”, resume.

A representação indígena foi ampliada de nove para 20 membros no Conselho Estadual dos Povos Indígenas. Ligado à Secretaria Estadual do Trabalho, Cidadania e Ação Social, o Conselho passou por uma reformulação estatutária no dia 11 de agosto, tendo substituídaa expressão genérica “índios” por “povos indígenas”. E passou a ter dez representantes de cada etnia, além de dez membros de órgãos governamentais. Tino acredita que uma realidade histórica de expropriação de terras e exclusão social pode ter um desfecho favorável, pelo menos para as duas etnias que restaram no estado. “São reivindicações muito válidas, que depois de anos de confronto começam a ser atendidas”, espera.

A questão mais urgente é a demarcação das terras dos índios, loteadas para agricultores e fazendeiros nos governos passados. Além disso ele acha que é preciso mais confiança nos índios por parte do poder público, com a concessão de linhas de crédito para a produção de alimentos. “Nossas crianças estão com anemia e subnutrição”, explica Tino.

Segundo o secretário de estado do Trabalho, Tarcísio Zimmermann, a desocupação de terras já demarcadas como reservas e o reassentamento de agricultores em outras áreas terão um inv e s t i mento de R$ 2 milhões em 1999. “Estamos num processo de diálogo com as comunidades para estabelecer um cronograma de desocupação de terras. É importante compreender a gravidade da situação dos povos indígenas. Eles têm terras reconhecidas como suas, mas metade dessas áreas está ocupada por não indígenas”, revela.

Originados pelo tratado de Madrid – que em 1750 rompeu com o espaço organizado das reduções jesuíticas e provocou a expropriação de terras, marginalização e assassinato em massa de índios os conflitos pela posse do território levaram o governo estadual a determinar, em 1911, a demarcação de 34.910 hectares como reservas indígenas. A decisão nunca foi efetivada porque atingia áreas doadas pelo próprio governo para agricultores.

A estimativa do Conselho Estadual dos Povos Indígenas é de que a soma de todas as reservas, demarcadas ou não, totalizaria hoje cerca de 15 mil hectares, ou apenas 1% do território gaúcho. De acordo com o advogado e diretor de Cidadania da Secretaria Estadual do Trabalho, Mozar Dietrich, que há 15 anos presta assessoria às comunidades indígenas no Rio Grande do Sul, houve um crescimento populacional entre os índios nos anos 60. Em 1911, a população totalizava 2.700 pessoas. Em 1964, a Funai reconhecia a existência de 14 mil índios. Para Dietrich, os números da Funai apresentam uma distorção, já que não contabilizam pessoas descendentes de indígenas. Isso eleva a população para cerca de 20 mil pessoas. Atualmente, são cerca de 15 mil índios Caigangue e Mbyá-Guarani. Destes, 2.200 seriam Mbyá-Gurarani.

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