EDUCAÇÃO

Fim de festa

Sandra Hahn / Publicado em 24 de setembro de 1999

Cinco entidades públicas estão finalizando uma parceria que deverá limitar bastante o acesso de crianças e adolescentes a bebidas alcoólicas no Rio Grande do Sul. Liderados pela Coordenadoria das Promotorias da Infância e Juventude, os organismos prometem fiscalizar com rigor os comerciantes e punir os que venderem álcool a menores de idade. Para agir de forma coordenada, redigiram um termo de compromisso de integração. Quando estiver assinado, até o final de setembro, o documento definirá a rotina de ação dos fiscais.

“É uma preocupação com a saúde pública”, afirma a coordenadora das Promotorias da Infância e Juventude, Júlia Martins. A promotora deu os primeiros passos na direção de coibir a oferta de álcool aos jovens a partir da denúncia do pai de um estudante em Porto Alegre. Ele ficou surpreso ao saber que a sala de aula de seu filho de 11 anos tinha sido visitada por promotores de uma festa estudantil. O evento tinha como atrativo a bebida “liberada”. Júlia lembra que vender para menores de idade substâncias capazes de causar dependência é crime – antes era contravenção – desde a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), há nove anos.

Mesmo assim, a infração ao artigo 243 do ECA, que fixa a proibição, é bastante comum (veja quadro). E agora será fiscalizada de perto. A operação vai envolver as promotorias da infância e juventude, as promotorias criminais, a Brigada Militar, a Secretaria Municipal daIndústria e Comércio e o Departamento Estadual para a Criança e o Adolescente. Apena para quem descumprir o artigo 243 é prisão de seis meses a dois anos e multa. Os comerciantes que reincidirem no crime poderão perder suas licenças de funcionamento.

Os adolescentes têm tanta facilidade de comprar bebidas alcoólicas quanto de comer um hambúrguer. O acesso sem restrições está refletido nos levantamentos sobre consumo. Na capital gaúcha, 81% dos estudantes dos níveis básico e médio já tinham ingerido álcool pelo menos uma vez, conforme pesquisa feita em 1993. Outros 70% tinham feito uso nos 12 meses que antecederam a entrevista (veja quadro). “O álcool está muito introjetado em nossa cultura”, aponta a psicóloga Sílvia Koller. “Quem não bebe é assediado por quem bebe”, acrescenta Sílvia, doutora em educação e professora do pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento na Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

A psicóloga é contra a venda de bebidas alcoólicas e cigarros a menores de idade e aplaude o rigor na fiscalização. “Beber socialmente não é coisa para adolescente”, sustenta. Sílvia explica que o consumo faz mal à saúde e o álcool relaxa a censura, estimulando atitudes de risco (como sexo sem proteção, por exemplo). “Os adolescentes têm senso de desafio. O álcool entra como forma de encorajá-los”, descreve. A melhor saída para os pais, aconselha Sílvia, é falar dos riscos aos filhos e fixar limites ao que eles podem fazer. Além dos pais, o problema também intranqüiliza as escolas particulares de Porto Alegre. Todas elas assinaram um documento enviado à promotora Júlia Martins pedindo orientações sobre sua conduta diante da exposição dos estudantes a bebidas alcoólicas. A promotoria vai recomendar limitações à propaganda de bebidas nas festas escolares e alertar para o crime da comercialização aos menores.

“O alerta é justo”, afirma a presidente do Grêmio Estudantil do Colégio Rosário, Patrícia Inglêz de Souza Machado, 16 anos. “O Grêmio apóia diversas campanhas e, se for comunicado, também vai se envolver nesta”, prevê. Para Patrícia, o cigarro está sendo visto como algo ruim, mas o álcool é associado a festas e às vezes encarado como diversão. “Fica mais difícil de demonstar os riscos da dependência”, avalia. Algumas instituições de ensino já adotaram limitações. Na Ufrgs, a venda de álcool nos bares foi proibida. Na PUC (Pontifícia Universidade Católica), a comercialização está vetada nos diretórios estudantis, mas liberada nos restaurantes. A PUC criou há quatro anos o programa Vida com Qualidade, que alerta para os riscos do consumo de drogas.

“A preocupação com o álcool é grande, pois é lícito e abre a porta para outras drogas”, afirma a pró-reitora de assuntos comunitários, Laury Garcia Job. “A gente pensa que as pessoas sabem bastante sobre Aids e álcool, mas elas têm muita dificuldade”, relata a pró-reitora. Todos os calouros têm contato com o programa, que explica até mesmo os detalhes legais de quem é preso portando drogas.

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