MOVIMENTO

A prova dos nove

Márcia Camarano / Publicado em 25 de agosto de 1999

Denúncias da oposição não alteram experiência do Orçamento Participativo, que migrou de porto Alegre para todo o estado

Carro-chefe da Prefeitura de Porto Alegre desde que a Frente Popular – capitaneada pelo PT – assumiu o poder há dez anos, o orçamento participativo tem sido alvo de estudos em vários países do mundo. O processo na verdade nunca foi visto com bons olhos pela oposição mas, se antes os opositores ignoravam o OP insistindo na tese de que ele passava por cima da democracia representativa, hoje o discurso é diferente. O orçamento participativo ganhou status de realidade. Não importa mais saber se ele é legítimo ou não, mas se está sendo cumprido de acordo com a vontade das comunidades.

O deputado estadual Berfran Rosado (PMDB), por exemplo, começou e estudar o OP em 1996, quando era secretário-geral do partido e integrante do primeiro escalão do governo de Antônio Britto. Ele sustenta que não tem nada contra a participação popular. “Ao contrário, sou até a favor”. O deputado não entra na discussão sobre a legitimidade do processo. “Se ele existe, que bom. Mas então vamos ver como ele funciona”, desafia.

Berfran e mais dois colegas de bancada (os deputados Cézar Busatto e Mário Bernd) elaboraram um estudo baseado na prestação de contas do orçamento participativo do ano passado. O resultado, um livro de 68 páginas chamado “Orçamento Participativo 98 – a Manipulação da Vontade Popular”, se transformou no mais novo antídoto para o principal projeto petista que, além da capital gaúcha, passou a se estruturar em todo o Rio Grande do Sul.

O peemedebista lembra que há três anos recebeu reclamações sobre obras priorizadas nas runiões do OP que não estavam sendo cumpridas. “Comecei a acompanhar a prestação de contas analisando as 16 regiões onde a comunidade participa de forma direta”, conta. O parlamentar detectou que, em 1996, 30% das obras foram executadas e 44% não haviam sido iniciadas; em 1997, o desempenho caiu: 22% foram feitas e 40% nem começaram. Em 1998, o PMDB decidiu colocar seus parlamentares e assessores em campo para acompanhar todas as reuniões de prestação de contas.

“Detectamos percentuais ainda mais assustadores, já que o desempenho foi piorando até chegar a 9,52% das obras executadas no ano”, assegura. Berfran argumenta que a prefeitura divulgou um superávit nas contas de 1998 de R$ 24,4 milhões, valor que, conforme ele, corresponde a 57% das obras do OP que não foram iniciadas. “Concluímos que a prefeitura tinha dinheiro, mas não executou as obras”, diz.

Para se chegar a esse desempenho, segundo o deputado, restam duas alternativas: “ou o objetivo do OP não é fazer obras e sim servir para propaganda política ou falta competência mesmo”, ataca. O peemedebista acha que o processo não tem transparência e diz que seu partido quer mobilizar a sociedade para cobrar a realização das obras. “Queremos que as obras sejam feitas e que eles (a prefeitura) se sintam mais comprometidos com a execução dos cronogramas”, explica.

Luciano Brunet, coordenador em exercício da CRC (Coordenação das Relações da Comunidade) de Porto Alegre, acha um progresso o fato de a oposição não estar mais questionando a existência e legitimidade do orçamento participativo. “Nós também vemos falhas na aplicação, já que não se trata de um projeto acabado”, ressalva. Brunet reconhece que há atraso em algumas obras, mas a própria população está cobrando isso da prefeitura.

O coordenador ainda esclarece que a administração municipal sofreu cortes do governo federal este ano, especialmente nos quesitos moradia e saneamento. Justamente os setores que lideram as listas de prioridades. Para o dirigente, a oposição não se conforma com o espaço aberto para a participação popular. “Trata-se de um trabalho com um alto grau de democracia direta”, sustenta, acrescentando que as regras de funcionamento são pensadas por quem participa.

O OP foi constituído no primeiro ano de Olívio Dutra na prefeitura (em 1989), começando com cerca de 300 pessoas das lideranças comunitárias. Ao longo dos anos, o processo foi se moldando até chegar à fórmula atual, que discute todo o orçamento a partirda divisão da cidade em 16 regiões e das discussões temáticas. Segundo avaliação de Brunet, atualmente 40 mil pessoas participam das reuniõesdo OP em Porto Alegre. “Trata-se de uma experiência popular que está se multiplicando em diversos cantos do planeta”, reforça.

Quem participa, defende

A Frente Popular acredita tanto no processo do orçamento participativo que aposta no seu sucesso também em nível estadual. A Justiça gaúcha proibiu o governo do Estado de usar a estrutura pública para sua realização, mas a engrenagem já tomou conta de muitos municípios.

Íria Charão, coordenadora de Relações Comunitárias do estado, órgão ligado ao gabinete do governador Olívio Dutra, conhece bem o OP pois participou de seu nascimento em Porto Alegre, há exatos dez anos. “Naquela época, não tivemos uma fórmula pronta assim como não temos agora. O OP é um processo de construção e participação popular”, define. Íria trouxe para o governo gaúcho a experiência vivida em Porto Alegre, mas salienta que agora a complexidade é muito maior. “Estamos começando tudo de novo”. O Rio Grande do Sul é dividido em 22 regiões, conforme a organização dos Coredes (Conselhos Regionais de Desenvolvimento). A dirigente tem percorrido todo o estado para acompanhar as assembléias e, desde a proibição da Justiça, tira o dinheiro para as passagens de seu próprio bolso. A partir de março foram realizadas assembléias nos 467 municípios gaúchos.

Quem participa do processo sente orgulho do papel que está exercendo. É o caso de Urbano Soares Vaz, um aposentado da construção civil de 70 anos. Em Alvorada, ele é conselheiroda região 2 (leva as reivindicações da comunidade para a Prefeitura) e delegado da micro-região 4, que congrega três bairros: Passo do Feijó, Santa Clara e Germânia. “O Brasil vai fazer 500 anos só de promessa, mas nós aprendemos aqui que, para mudar, só com a participação de todo o mundo”, ensina.

Urbano diz que o problema mais sério de seu município são as construções irregulares, sem qualquer infra-estrutura. Alvorada possui 36 vilas clandestinas. “Os moradores vieram do interior em busca de trabalho e moradia e foram construindo de qualquer jeito”, atesta. Em razão desses problemas, nas reuniões de OP o pessoal pede muito saneamento básico. “Sempre foi nossa grande luta conseguir isso e o Orçamento Participativo abriu uma brecha”, diz Urbano, que tem três filhos e seis netos. Além do OP, ele também aprendeu que é importante também participar de entidades como a Associação de Moradores e o Conselho de Pais e Mestres da escola.

Urbano, um dos primeiros moradores da antiga Vila Dona Teodora, conhecida por suas “malocas”, ele acredita que para melhorar as condições de vida da população os moradores precisam somar esforços. “Para mim, o Orçamento Participativo é da maior importância, não teve nada melhor inventado até agora”, testemunha.

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