OPINIÃO

O Virudu

Barbosa Lessa / Publicado em 25 de agosto de 1999

Entrei para a faculdade de Direito em 1948 e, naquele ano, consegui administrar satisfatoriamente os meus horários de estudante e de repórter free-lancer, reservando sábado para curtir o galpão simbólico do CTG que acabávamos de fundar pioneiramente: o 35. Naquela época estávamos mui interessados em descobrir uma fórmula que permitisse atrair “prendas” para o tradicionalismo. Mas já no ano seguinte não me sobrou tempo nenhum para lazer.

Aconteceu que, a convite do governo uruguaio, formamos uma pequena delegação para participar dos festejos do “Dia de la Tradición” em Montevidéu. Lá nos encontramos com os jovens pares, em seus trajes típicos, dançando O Pericón, La Chacarera, El Gato e outros tantos sapateados, e voltamos com a certeza de que ali estava a solução da charada: reviver, também, as velhas danças do Rio Grande. Paixão Côrtes e eu começamos por consultar o “Guia do Folclore Gaúcho”, de Augusto Meyer, e outras obras do gênero, mas no tocante às danças do desaparecido fandango, só encontramos algumas letras, nenhuma partitura musical, nada de coreografia. Só nos restava sair pesquisando, em atrasados rincões do Rio Grande, informações que tivessem ficado na memória de velhos músicos ou campeiros em geral. O Paixão também era universitário – de Agronomia – e funcionário da Secretaria da Agricultura. Então, para levarmos a cabo as pesquisas de campo, tivemos de dar adeus a nossos já escassos momentos de lazer nos finais de semana.

Para ganhar tempo, cada um caía num rumo diferente. Mas, ao nos toparmos com uma boa informação, repetíamos em dupla a entrevista, inclusive trazendo um gravador de som(se havia tomada elétrica no local) que para essas ocasiões especiais o Prof. Enio Freitas de Castro emprestava ao Paixão. As perguntas, no geral, eram bem objetivas: “A senhora se lembra de O Anu?”, “O senhor alguma vez tocou A Tirana?” E às vezes tínhamos a surpresa de descobrir uma dança ou canção jamais relacionada por Meyer, Simões Lopes Neto ou Cezimbra. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando, em Osório, alguém nos falou num tal de O Pezinho. Pergunta daqui, pergunta dali, terminamos encontrando- o, ao vivo, numa festa de casamento na família Azevedo, em Palmares do Sul.

Também ouvi pela primeira vez, nos canfundós de Encruzilhada do Sul, uma referência a O Virudu. Muita gente confirmou que, antigamente, ele era muito cantando. “O finado Olmiro sabia a letra de ponta a ponta”. Até que alguém me jurou que, morador no Passo da Armada, o Seu Salustiano ainda se lembrava, direitinho, de O Virudu. “E tem tomada elétrica na casa dele?” “Tem”. Convoquei o Paixão com o gravador, fomos de ônibus até o Bom-Será e lá o fazendeiro Moacyr nos emprestou dois cavalos para conseguirmos chegar à casa do cantador.

Mal apeiei, perguntei se ele sabia mesmo cantar O Virudu e ele confirmou que sim.

Daí a pouco o Paixão já estava anunciando no gravador:

– E agora, na voz do informante Sr. Salustiano Fonseca, vamos ouvir… O Virudu! O homem se aprumou, limpou o peito e lascou:

– “o virudu Pirangaa marges plácida………………..”

O Paixão queria me esganar por tê-lo feito perder seu precioso tempo.

* Luiz Carlos Barbosa Lessa é jornalista, historiador, folclorista e escritor.

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