No final do século da ciência, milhares de brasileiros ainda morrem de doenças que já deveriam ter sido banidas das estatísticas oficiais. Só de tuberculose, uam doença identificada com o século 19, sào cerca de 50 mil mortes por ano. por trás dos números escondem pessoas sem informação , abondanadas pelo sistema oficial de saúde e que adoecem simplesmente porque são pobres
Cólera, leptospirose, toxoplasmose, raiva, tuberculose, hantavírus, dengue, febre tifóide, hanseníase, doenças diarreicas, febre amarela, doença de Chagas. O século 21 está ali na esquina, os avanços da ciência e da tecnologia são de tirar o fôlego mas, por incrível que pareça, ainda tem gente que morre de doenças banais, que têm registro de cura há pelo menos 50 anos e que poderiam estar banidas do vocabulário médico. Prova de que a tecnologia é coisa para poucos e privilegiados cidadãos que podem pagar por ela.
O tratamento efetivo para tuberculose, por exemplo. Ele já existe desde o início da década de 50. No Brasil, o combate a partir de medicamentos padronizados iniciou em 1964. Mais de 35 anos depois, porém, ainda são registrados anualmente cerca de 130 mil casos da doença no país. Desses, aproximadamente 50 mil acabam em morte. Pior: o Ministério da Saúde estima que esses números representem apenas 67% da incidência da tuberculose, causada pelo bacilo de Koch. Ou seja: os doentes que não são diagnosticados e não entram para as estatísticas oficiais estão por aí, sem assistência, contaminando outros brasileiros.
É redundância dizer que pessoas adoecem por falta de cuidados, mas vale a pena repetir. No Rio Grande do Sul, o programa contra a tuberculose foi iniciado em 1970 e até 1990 reduzia o número de casos em cerca de 6% ao ano. A partir daí, porém, os números voltaram a crescer. O governo agiu, nesse caso, com o mesmo erro de alguns pacientes que iniciam o tratamento para tuberculose – que dura no mínimo seis meses – e logo que sentem os sintomas de melhora desaparecem. O resultado não poderia ser mais maléfico: além de continuar sendo um agente transmissor, o doente acaba criando resistência aos medicamentos e dificulta um segundo tratamento. Ou seja, se houver, ele será mais caro e demorado.
Só para ter uma idéia, um segundo tratamento para doentes de tuberculose custa em média US$ 500 na rede pública de saúde. Os dados são da Divisão de Pneumologia Sanitária da Secretaria Estadual da Saúde (SES) e revelam que um tratamento normal, sem interrupções, custa U$ 70. É um custo que toda a sociedade paga.
A coordenadora da divisão de Políticas de Controle da Tuberculose da Secretaria de Saúde de Porto Alegre (SMS), Elaine Black Ceccon, acha que o aparente sucesso no tratamento da tuberculose é responsável pelo reaparecimento da doença nos últimos cinco anos. “Uma vez que não se pensa em tuberculose, não se faz o diagnóstico. E com isso as pessoas acabam recebendo tratamento para outras doenças”, alerta. Dados da SMS revelam muitos casos de morte de pacientes com tuberculose no mesmo dia da internação hospitalar. Sinal de que a doença está se desenvolvendo há meses.
Outro fator determinante para explicar o aumento dos casos de tuberculose é a Aids, mas mesmo associada a outras doenças a enfermidade ainda tem cura. Basta tomar a medicação correta. Toda essa avaliação – que explica mas não justifica a realidade – é praticamente unânime entre os profissionais da saúde no estado. Por isso, a preocupação atual dos serviços públicos de saúde é recapacitar o pessoal para lembrar que doenças praticamente prescritas – incluindo aí o cólera e a hepatite B – ainda matam, e muito. “Tratar um desses doentes evita a contaminação de outras dez pessoas por ano”, garante o assessor técnico da coordenação da Seção de Pneumologia Sanitária da SES, César Espina.
Ele reconhece que as condições técnicas para combater a maioria dessas doenças existem. “Mas falta direcionar a estrutura para uma atuação efetiva”, acrescenta Espina. No caso da tuberculose, o tratamento só é encontrado na rede pública. A medicação não é vendida nas farmácias. “O estado provê medicamentos, materiais de laboratório e impressos informativos, enquanto as secretarias municipais executam o programa contra a tuberculose com recursos humanos e área física”, diz o técnico. Ele, porém, reconhece que as baixas condições de vida da população são um entrave para a erradicação da doença.
A Hepatite pode matar. E se pega como Aids
Frente a uma epidemia de doença incurável como a Aids, outras doenças sexualmente transmissíveis ou de contato sangüíneo parecem até nem ser tão perigosas. Engano. Também é possível contrair as hepatites B e C – que podem ser letais – por meio do sexo sem segurança e uso de drogas injetáveis, além de outros procedimentos com agulhas, como transfusão de sangue. E, no caso de evolução para cirrose hepática crônica, a prescrição dos médicos parece ser uma só: transplante de fígado. Tecnicamente possível, mas ainda um privilégio de poucos.
“A medicina mudou radicalmente neste final do século. O transplante de fígado é uma de nossas epopéias, até porque é a cirurgia mais complexa do corpo humano, de maior demanda técnica e de custos”, diz Luiz Pereira Lima, coordenador do Programa de Transplante Hepático do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Só que a cirurgia é feita apenas em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte. É verdade que o trabalho realizado aqui tem obtido êxito: segundo Lima, 70% dos transplantados de fígado sobrevivem. Mas também é verdade que hoje se tem feito “dois transplantes por mês, se tanto”. Só no Rio Grande do Sul há mais de cinqüenta pacientes na fila de espera. As hepatites B e C mataram 165 pessoas no estado em 1998.
A tendência, segundo Lima, é de esse número crescer ainda mais, por dois motivos. A hepatite B e o alcoolismo, nos últimos anos, estão assumindo um papel crescente como causa de insuficiências hepáticas crônicas, que geralmente conduzem à morte. Por outro lado, ainda não há a difusão de que o transplante de fígado é a única cura.
A hepatite é uma doença que ataca o fígado e pode contaminar qualquer pessoa. É transmitida por um vírus específico para os três tipos diagnosticados (A, B e C) até agora pela medicina. A B e a C são mais perigosas – transmissíveis pelo contato com sangue contaminado e sexo sem segurança – porque se tornam crônicas e freqüentemente , evoluem para quadros de cirrose. A hepatite B já tem vacina, mas o vírus é mais agressivo e se transforma em cirrose em cerca de 10% dos casos. Com um detalhe: a progressão é fulminante, ocorrendo em dois anos.
A hepatite C é a mais recente e foi descoberta há dez anos, mas ainda não tem vacina. Assim a como a Aids, é uma doença perigosa e freqüentemente mortal. Segundo Lima, em cerca de metade dos casos ela evolui para uma cirrose mortal, mas num processo que pode durar até 20 anos.
É verdade que a hepatite não tem, entre os pesquisadores, o glamour da Aids, mas ela cresce em incidência tanto quanto a doença que mais aterroriza a população. Nos últimos quatro anos, as estatísticas oficiais apontam que a contaminação quase dobrou nesse período. No ano passado foram mais 4 mil novos casos no Rio Grande do Sul.
Os profissionais da saúde, nesse caso, são determinantes para difundir os cuidados que evitem o contágio. Eles devem exercer e exigir a garantia de medidas universais de biossegurança: ao manipular pacientes infectados, durante o exame clínico, o médico deve usar luvas de látex e óculos de proteção, lavar as mãos após cada paciente e esterilizar todo o instrumental e máquinas utilizadas, além de estar devidamente vacinado. Pode ser óbvio, mas muitos médicos ainda não dão importância a isso.
Uma pontada e a doença
Meri Therezinha Lima de Azevedo tem 35 anos. Mãe de um menino de 9, mora em Porto Alegre e trabalha como empregada doméstica. Em outubro do ano passado, Meri foi vítima de uma “pontada de pneumonia”, não procurou médico porque não podia faltar ao serviço e foi se virando com xaropes caseiros. Mas a tosse não passava. Uma noite, em um acesso mais forte, ela expeliu sangue. Estava tuberculosa, mas não estava sozinha: só no Rio Grande do Sul, segundo dados oficiais, houve 5.154 novos casos da doença que aterrorizou as populações no início do século.
Só então Meri procurou ajuda, mas o drama estava apenas começando. Elatentou atendimento duas vezes em um posto de saúde próximo à sua casa e não conseguiu ficha. Depois, na terceira vez, quando já estava desistindo de esperar, mais um acesso a fez tossir sangue novamente. Só aí Meri foi atendida. O diagnóstico oficial não deu outra: tuberculose. “Senti muito medo”, relata. Dois anos antes ela havia cuidado de um irmão com a mesma doença e sabia dos perigos porque iria passar. O medo tinha lá suas razões. Além de doentes e fragilizados fisicamente, Meri e outros portadores de tuberculose ainda têm de lidar com a reação das pessoas próximas a elas. Nesse caso, significa enfrentar, além da doença, o pânico, o preconceito e a indiferença dos outros. Ou seja, trabalho dobrado. Em janeiro deste ano, três meses depois dos primeiros sintomas, Meri recebeu uma caderneta de controle onde estão registrados os medicamentos fornecidos e o modo de uso. Está lá marcado: ela deve ir à Unidade Sanitária todo dia 24 para consultar com um especialista e fazer os exames de acompanhamento evolutivo. Nesse período, só houve melhora. Uma gastrite chegou a incomodar, por causa da medicação, mas já não é mais problema. Foi tratada no mesmo local, ganhando também os remédios.
Meri não tem dúvida. “As pessoas devem procurar recurso porque vale a pena. Demora, é verdade, mas vale a pena”. Ela continua trabalhando no mesmo local e está quase curada. “Estou super bem disposta. É bom vocês falarem nisso porque alerta as pessoas”, sorri.
A tuberculose é uma doença democrática, mas o círculo vicioso da vida sócio-econômica dos países do terceiro mundo deixa a população de baixa renda vulnerável, já que a transmissão ocorre pelo ar. Portanto, ambientes com pouca ventilação e muita gente são o protótipo do habitat do bacilo.
“O bacilo pode permanecer vivo em locais escuros e úmidos durante semanas”, ensina a coordenadora da divisão de Políticas de Controle da Tuberculose da SMS de Porto Alegre, Elaine Black Ceccon. Vale lembrar: o diagnóstico é fácil e depois de 15 dias de uso dos medicamentos o paciente não é mais transmissor. Merecem atenção especial aqueles que têm contato direto e prolongado com portadores de tuberculose pulmonar (o bacilo pode se alojar em qualquer órgão do corpo, mas a única tuberculose contagiosa é a pulmonar), principalmente os que moram na mesma casa. Se houver entre eles uma criança que não tenha recebido a vacina BCG, ela deve ser encaminhada imediatamente ao Setor de Tuberculose (ou Tisiologia) de uma unidade de saúde.
A vacina BCG em recém nascidos é fundamental, pois ela fornece proteção durante a infância e previne a meningite tuberculosa. “Ela até pode contrair a tuberculose, mas terá mais força para lutar”, insiste Elaine. Ela faz um apelo: “o tratamento é gratuito e não é necessário encaminhamento. Se sentir os sintomas, basta ir direto a uma unidade sanitária”.
César Espina, assessor técnico da divisão de Pneumologia Sanitária da Secretaria estadual de Saúde, garante que na maioria dos 467 municípios do estado há pelo menos uma unidade sanitária em condições de realizar o tratamento para tuberculose. Dificuldades só nas localidades com menos de 10 mil habitantes.
É bom ficar atento. Em 1998, 18% daqueles 5 mil casos não finalizaram o tratamento contra a tuberculose. Ou seja, continuam como transmissores potenciais da doença. Os principais sintomas são tosse e expectoração por mais de três semanas, perda de apetite, emagrecimento, dor no peito, suores noturnos, cansaço fácil e febre geralmente à tarde. O melhor tratamento é o sol, que destrói os bacilos em poucas horas.
Exclusividade de populações pobres
Os dados da Fundação Nacional de Saúde (FNS) não deixam dúvidas: a existência de doenças antigas entre a população brasileira tem tudo a ver com distribuição de renda. As estatísticas apontam, por exemplo, que de cada cem casas brasileiras 35 ainda não contam com tratamento básico de esgoto e água potável.
Mesmo com o quadro desolador da saúde pública no país, o Rio Grande do Sul é um dos estados menos vulneráveis à presença de epidemias de doenças transmissíveis. Aqui, por exemplo, não há um único registro de dengue, apesar de o mosquito transmissor ter sido encontrado em 34 cidades gaúchas. A doença de Chagas, outra enfermidade provocada pela miséria, foi reduzida a índices inferiores a 1%, restando focos residuais apenas na região da Grande Santa Rosa e em áreas isoladas de cidades da região Sul.
O cólera, outra doença identificada com o século passado, volta e meia irrompe em surtos isolados de regiões pobres do país. No final de março, em Paranaguá (Paraná), houve mais um surto da doença que foi controlado depois de três semanas de contágios e nenhuma morte. O cólera é uma doença que atinge os intestinos, provoca diarréia forte, vômitos e cãibras, provocando desidratação que pode levar à morte. Segundo os dados da FNS, nos casos graves – um em cada 20 – a desidratação pode matar.
A transmissão do cólera ocorre, principalmente, através de ingestão de alimentos e água contaminados pelo vibrião colérico. Algumas dicas importantes para evitar a contaminação: mantenha a caixa d’água de sua casa limpa e com tampa. Para beber água de poço, córrego ou vertente ferva-a por 10 minutos e a mantenha em vasilhas limpas. E lave bem as mãos antes de preparar os alimentos e de comer, além de proceder da mesma forma com as frutas e verduras.
A febre tifóide também é registrada exclusivamente em regiões de baixa renda. Ocasionada pela salmonella typhi, a principal forma de transmissão é o leite e seus derivados quando mal manipulados. Não é à toa que a febre é conhecida como a doença das mãos sujas. Os sintomas mais evidentes são febre alta, dores de cabeça, mal-estar geral, falta de apetite, manchas rosadas no tronco, diarréia e tosse seca.
A leptospirose, por sua vez, é uma doença infecciosa aguda transmitida principalmente por ratos. As bactérias se desenvolvem em águas contaminadas pela urina dos animais infectados. As pessoas se contaminam através da pele em contato com a água ou pelas mucosas da boca, narinas e olhos. Nesse caso, estão mais expostas as populações que moram em beira de córregos, em zonas alagadiças ou em lugares onde não há saneamento básico.
A doença, por isso, também está relacionada fundamentalmente aos períodos de chuva. Algumas precauções: evite contato sem proteção, principalmente mãos e pés, com águas de cheias e esgotos. Mantenha o quintal e terrenos baldios limpos, livres de matos e entulhos para evitar a proliferação de ratos e, se detectá-los, solicite orientação técnica das secretarias de Saúde do município ou do estado.
A Saúde dentro de casa
20 dicas para evitar contágios sem virar um obsessivo por saúde
1) O aleitamento materno deve ir pelo menos até o sexto mês da criança. Depois disso, a nutrição equilibrada é o alicerce para um organismo saudável, infantil ou adulto. Só para se ter uma idéia, todos nós temos contato diário com vírus e bactérias. Bem alimentados, desenvolvemos a capacidade de criar anticorpos de defesa.
2) Obedeça ao calendário de vacinação de suas crianças.
3) Mantenha a casa limpa e arejada para espantar vírus e bactérias. Mesmo com o frio, abra as janelas regularmente para aproveitar a ação higienizadora do sol.
4) Vista-se adequadamente ao clima. No inverno, use roupas quentes e agasalhe bem as crianças.
5) Só beba leite fervido.
6) Lave sempre as mãos antes de pegar uma criança no colo, já que as infecções passam muito facilmente de uma pessoa a outra. Utilize o mesmo procedimento antes de preparar os alimentos.
7) Cozinhe bem peixes e mariscos e consuma-os na hora.
8) Lave frutas, verduras e legumes com água limpa. Legumes também podem ser deixados de molho no vinagre por cerca de dez minutos.
9) Ferva a água do poço, córrego ou de vertente por pelo menos dez minutos e mantenha-a em vasilhas limpas e com tampa. Cuidado: filtros não substituem a fervura recomendada.
10) Não fume, mas se o fizer não faça dentro de casa ou perto de crianças.
11) Nem sempre a febre é o sinal mais importante de um contágio. Em alguns casos infecciosos, por exemplo, é a temperatura muito baixa (hipotermia).
12) Evite ambientes e situações de grande aglomeração.
13) Em casa de pessoas com asma ou alérgicas evite poeiras, cheiros fortes, mofo e inseticidas; dispense travesseiros, acolchoados de penas, tapetes, carpetes, cortinas e bichos de pelúcia; se os tiver, limpe-os diariamente com pano úmido.
14) Não permita animais domésticos nos lugares da casa onde a família tenha contatos mais íntimos, como as camas, cozinha e banheiros. Renove periodicamente a comida dos bichos.
15) Ao constatar presença de ratos, solicite orientação técnica da Secretaria de Saúde do município ou do estado.
16) Banhos muito quentes e demorados, sabonetes fortes e atrito com esponjas removem a oleosidade natural da pele, facilitando o surgimento de coceiras e eczemas.
17) Procure livrar-se das verrugas, virais e contagiosas.
18) Avalie seus sinais, inclusive os de nascimento. Se aumentarem de tamanho, volume ou superfície, busque atendimento médico.
19) Procure usar luvas no serviço doméstico. As unhas das mãos são fragilizadas por umidade e produtos de limpeza, ocorrendo ainda crescimento de fungos.
20) Evite contato sem proteção, principalmente nas mãos e pés, com água de enchentes, de plantações, córregos, esgotos, rios e lagos.
Pesquisa revela negligência
A Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, a coordenação de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e Aids do Ministério da Saúde, em parceria com o Programa de Pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), estão realizando uma pesquisa para detectar o grau de conhecimento dos profissionais de saúde com relação à exposição que têm a sangue e secreções corporais. Os resultados preliminares indicam que pelo menos 30% dos entrevistados sofreu algum tipo de acidente durante o trabalho no último ano. Ocorrências com materiais biológicos que podem ser agentes de transmissão de mais de 20 doenças. Entre elas a Aids e as temidas hepatites B e C.
O estudo envolve 27 hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS) em Porto Alegre. “É um índice muito alto”, diz o médico Ricardo de Souza Kuchenbecker, coordenador da Divisão de Políticas de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e Aids da SMS de Porto Alegre. A pesquisa selecionou uma amostra de 1.400 profissionais das áreas de enfermagem, higienização e médicos e, embora a análise ainda não esteja concluída, os resultados preliminares são polêmicos. Revelam, por exemplo, que alguns médicos não valorizam os treinamentos sobre prevenção que recebem e, pior, muitas vezes não notificam os acidentes sofridos. “Pelo menos cerca de 60% a 70% das situações não foram informadas, porque muitos profissionais consideram esses acidentes uma das agruras da profissão”, constata Kuchenbecker.
O índice não é apenas culpa dos médicos, é verdade. É óbvio que eles se expõem a um grande risco devido à natureza do exercício profissional, que envolve um contato direto com pessoas doentes. A pesquisa revela existir um conjunto de fatores que determinam as ocorrências, mas as principais são a negligências dos profissionais que não usam as medidas de segurança, e outro é a pressão devido às superlotações dos hospitais. Kuchenbecker avalia ser menos problema de negligência e mais em função da tensão. Ele, entretanto, ressalta que o treinamento dos profissionais é fundamental e o estudo mostra que isso acontece em muito pequena escala : “poucos foram os que relataram terem sido submetidos a treinamento no último ano”, salienta o sanitarista. “Os profissionais de saúde ainda têm dificuldade de aderir a medidas de precaução tão antigas quanto lavar as mãos entre um paciente e outro”, lamenta Kuchenbecker.
A partir dos dados coletados, o objetivo é apontar as causas e subsidiar as instituições hospitalares para que elas construam uma série de medidas de prevenção. O estudo será finalizado no próximo mês de julho e, no segundo semestre, ainda sem data definida, acontecerá um evento, organizado pelas entidades que promoveram a pesquisa, que contará com a presença dos hospitais.
Vida melhor depois da vacina
“A vacina e o tratamento da água mudaram o perfil das doenças infecciosas na humanidade”. Essa afirmação é da médica responsável pelo Programa Estadual de Imunizações, Renate Mordick. Isso só confirma o fato de que se torna cada vez mais difícil aceitar que pessoas adoençam, e às vezes morram, de males previníveis e que sejam provenientes de problemas de saneamento básico.
E, para as pessoas que têm receio de se vacinar com medo de reações adversas, ela garante: “esse medo é infundado. Sempre a balança vai pender para o lado da vacinação. As reações às vacinas modernas de imunização são raras e benignas. Elas existem, mas são reduzidas. Os malefícios das doenças são muito mais freqüentes e graves”.
A meta do Programa Nacional de Imunizações (PNI), instituído no Brasil em 1973, é a de que a vacinação oferecida no dia-a-dia nos serviços de saúde deva imunizar 100% das crianças que nascem a cada ano no país. As coberturas vacinais, desde 1975, sofreram oscilações, mas quase sempre mantiveram-se abaixo dos percentuais desejados, com exceção da BCG (para prevenir a tuberculose) cujos índices são crescentes e contra o sarampo. A vacina oral contra a poliomelite sempre enfrenta dificuldades. Os maiores percentuais registrados foram de 82% em 1995 e 89% em 1997.
Para algumas doenças a vacina é o único meio disponível capaz de interromper a cadeia de transmissão. O controle ou erradicação, no entanto, só será obtido se as coberturas alcançarem índices homogêneos para todos os grupos da população e em níveis reconhecidamente suficientes. Com a aplicação de campanhas nacionais de vacinação, o número de casos de poliomelite caíram drasticamente. De 2.564 em 1979, para 122, em 1981. Mas, a partir de 1984 por causa de uma queda de vacinação, associada à composição da vacina utilizada na época, provou uma epidemia de poliomelite, com pico máximo em 1986. A partir de 1988 a situação melhorou novamente.
Após a implementação do Plano Nacional de Eliminação do Sarampo, em 1992, com vacinação indiscriminada somada à vigilância epidemiológica foram notificados 3.234 casos suspeitos de sarampo no país, contra 23.990 no mesmo período em 1991. Em 1990 esse número foi bem maior: 45.778. É importante ressaltar que em 1980 o sarampo fez 3.386 óbitos. Para se ter uma idéia da importância da vacinação, em 1990 foram 475 mortos, em 1997 morreram seis pessoas e em 1998 aumentou para 52. A situação é preocupante e exige esforço concentrado voltado à identificação de casos suspeitos.
No estado existe vacina para várias doenças, como sarampo, rubéola, difteria, tétano, caxumba, coqueluche, tuberculose, poliomelite, doenças invasivas (principalmente meningite) e gripe. Maria Tereza Schermann, coordenadora da Divisão de Doenças Imunopreviníveis faz um alerta: “o calendário é mais voltado para crianças, mas adultos também se vacinam”. Informe-se sobre o calendário básico. Não esqueça dos reforços. Algumas exigem nova dose depois de alguns anos.