Em 175 anos, imigrantes mudaram o Rio Grande do Sul
Em 1824, o mapa do Brasil meridional tinha contornos indeterminados. Dois anos após a independência, o imperador Dom Pedro I enfrentava a resistência dos portugueses mais recalcitrantes, que se mantinham fiéis à coroa de Lisboa. As pressões dos espanhóis na Cisplatina também recrudesciam as disputas de fronteiras, que ameaçavam a integridade territorial do país na vasta Província de São Pedro. Povoar a terra, assegurar atividades econômicas durante as guerras e garantir a autoridade imperial eram providências urgentes.
Por isso, o programa de imigração era estratégico para o novo país e seu jovem regente. Em 25 de julho daquele ano os alemães chegaram ao Rio Grande do Sul, às margens do rio dos Sinos. Para o professor Telmo Lauro Müller, diretor do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, localizado no centro antigo da cidade, a data constitui um marco na história gaúcha.
“É um antes e um depois”, afirma, para assinalar as mudanças provocadas pela imigração alemã. Ali começou a introdução de novos produtos agrícolas como o centeio, novos hábitos alimentares como a sopa de legumes e atividades econômicas como o artesanato. Aliás, essa tradição alemã de mais de 700 anos, responsável pela designação do sobrenome das famílias na idade Média – Schmidt, ferreiro; Schreiner, marceneiro – foi o embrião da indústria moveleira iniciada em modestas oficinas.
Com 25 graus abaixo de zero de novembro a março, como no Norte da Alemanha, não se cria animal algum e se tem de fazer tudo que uma casa precisa”, acentua. Explica-se a vocação artesanal e a sopa de legumes em cada de alemão. A pecuária requeria muita mão-de-obra e o português tinha o trabalho escravo. Por duas leis de 1830, os alemães não podiam ter escravos. Essa é razão pela qual as famílias alemãs tinham tantos filhos. Era preciso gente para trabalhar a terra.
Didático, Müller ordena em colunas imaginárias as duas vertentes culturais: o pão de milho do português, o pão de centeio do alemão. O melado da cana de açúcar e a schimier de frutas. Hoje Bagé faz festa da cerveja e o chimarrão está na colônia. “O bonito é que as duas culturas se encontraram e houve uma permanente troca de elementos”.
Diferente de outras regiões do país que receberam imigrantes, 175 anos depois os alemães no estado têm uma expressiva identidade cultural. Uma das justificativas é a dificuldade do trabalho na colônia, que manteve a unidade dos grupos de colonizadores por mais tempo. Outra delas, junto com a religião, são as tradições trazidas da Alemanha.
A Unisinos mantém um Núcleo de Estudos Teuto-Brasileiros para a pesquisa destes fenômenos. Mas a história vivida está reunida no Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, administrado com visível satisfação pelo professor Telmo Lauro Müller, 72 anos.
Motivo de orgulho para Müller também é a biblioteca do escritor Viana Moog (autor do clássico “Um rio imita o Reno”) que, junto com os demais exemplares, totaliza mais de oito mil livros, muitos dos quais em alemão. Outros 35 mil jornais e 12 mil fotos completam o acervo do museu fundado dez anos depois da Segunda Guerra Mundial.
O professor, formado em História e Geografia pela UFRGS, destaca que estes estandartes e bandeiras constituem representações dos núcleos de convivência social dos imigrantes. São as sociedades, de tiro, de ginástica e de canto. As de tiro minguaram pelas restrições da guerra, mas em algumas cidades como Sinimbu, no extremo norte do Alto Taquari, elas ainda resistem. A Sogipa, de Porto Alegre, fundada em 1867 é uma das mais antigas de ginástica.
As sociedades de canto constituem uma vertente que explica a volumosa existência de corais no Rio Grande do Sul. A mais antiga, a Orfeu, de São Leopoldo, foi fundada em 1848. O Centro Cultural 25 de julho, de Porto Alegre, fundado em 7 de agosto de 1951, tem corais infantil, juvenil, masculino e misto. Cada um deles tem um regente exclusivo e uma trajetória de turnês pela América Latina e Europa, além de CDs gravados. O clube cultiva também a culinária e as danças folclóricas.