OPINIÃO

Coração de crente

Nei Lisboa / Publicado em 25 de junho de 1999

Ele mal passou pela terceira rodada, até o dia em que escrevo, mas um coração de crente não tem espaço para dúvidas ou duplas faltas. E, sim, eu fui convertido, tenho os olhos marejados de fé, a inabalável fé dos que conhecem a Verdade. No caso, a verdade de que o Guga há de ser novamente campeão, há de nos redimir como o mais carismático e sensacional primeiro tenista do ranking em todos os tempos. Não estou exagerando.

Não estou arriscando um palpite. Ok, você já conhece os resultados e está rolando de rir porque ele tomou três a zero de um marroquino chamado Chutek Furadok? Não importa. Eu não disse que seria em Roland Garros. Nem disse que seria neste ano. Pode ser em 2002, pode ser ao som das trombetas do Juízo Final. Mas está escrito. Eu sei, eu vi. Desde agora, mesmo os mais céticos podem gozar a simples possibilidade, a mera ameaça de que um simpático e assumido mané, com estilo de jogo tão solto e empolgante, chegue ao topo em um esporte tradicionalmente empertigado como o tênis. E bota ameaça nisso. Desde o início do ano, o Guga está jogando demais. Quem acompanhou os torneios de Monte Carlo e de Roma, o tanto que as tevês deixaram, sabe do que eu estou falando: aces fantásticos, passadas e contrapés arrasadores, forehands, backhands, porradas-hands e deixadinhas de arrepiar. Confiança e superação à prova de qualquer cansaço, de cara feia e da torcida feminina do Rafter. Técnica, garra, humildade, fairplay e, como se não bastasse, uma comovente homenagem ao Falcão em italiano de luxuoso sotaque caipira. Dou prazo até 2005. Se eu estiver errado, bem, então é a justiça divina que precisa de uma CPI.

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Já que enveredei pelo esporte da previsão do esporte, posso anunciar também (a goleada sobre o Juventude você já viu) que um ciclone intertropical alcançará o Maracanã nos minutos finais de Botafogo x Palmeiras, impedindo o Euler e o Paulo Nunes de perpretarem a manjada falcatrua da Parmalat. Com isso, Inter 4×0 Botafogo na decisão da Copa do Brasil passará para a história do futebol e da Teologia como a “final do milagre”. Todos os gols do Christian, nessa ordem: de pé direito, pé esquerdo, de cabeça e o último de boca e respeito, mandando a bola entrar, ao que ela obedecerá ligeirinho com medo de atiçar a ira dos deuses. A partir daí, o especial de Natal da Globo passa a se chamar “Jesus Christian: ele já está entre nós e vai permanecer no Inter”. Mas isso já é outro delírio.

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Pra fechar com tênis e utilidade pública: alguém precisa avisar os comentaristas da ESPN de que o telespectador se contentaria com aulas sobre o esporte oferecidas antes, nos intervalos e ao final de cada jogo. Durante, a gente quer mesmo é ver o Jesus Kuerten jogar.

*Nei Lisboa é cantor e compositor

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