MOVIMENTO

As várias faces da Aids

STELLA MÁRIS VALENZUELA / Publicado em 25 de maio de 1999

Em 15 anos de epidemia, a doença conhecida como Mal do Século já atacou prostitutas, homossexuais e viciados em drogas injetáveis. Hoje, afeta mulheres, adolescentes e pobres e segue seu rumo inoxerável ao interior do país, s eimpregnando nas pequenas cidades e criando problemas de saúde pública

Em pouco mais de 15 anos de epidemia, a Aids mudou de cara. A cara da doença que é considerada o mal do século passou a ser feminina, pobre, adolescente e interiorana. “Isto já era previsível”, revela Karen Bruck de Freitas, presidente do Gapa (Grupo de Apoio e Prevenção à Aids), que completou dez anos de ação no mês que passou. “O maior estrago que se fez, em termos de prevenção de Aids, foi ter identificado os famosos grupos de risco. Isto fez com que as pessoas se sentissem alheias à epidemia”, completa.

A doença, é claro, continua forte entre os usuários de drogas mas, ao contrário do que se poderia imaginar, vem caindo junto às populações antigamente chamadas de risco – profissionais do sexo e homossexuais masculinos, principalmente. “No início da epidemia, na década de 80, se calculava uma mulher com Aids para cada 40 homens infectados. Hoje, essa proporção já está em um por um”, diz Karen. Ela estima que a partir do ano que vem as mulheres contaminadas já estarão superando os homens.

A situação dos adolescentes é mais complexa. “Existe uma geração de crianças e pré-adolescentes soropositivos”, lamenta a presidente do Gapa. A preocupação dos colaboradores do grupo é justamente saber como esses fatos chegam às escola e como afetam a sexualidade da juventude. “Os jovens acham que podem fazer tudo, que nada jamais vai lhes acontecer”, adverte Karen. Mas isso não é verdade.

O relatório mensal de casos de Aids no Rio Grande do Sul comprova que o controle da doença está longe de ser equacionado. Para se ter uma idéia, o número de casos notificados entre 1983 e o final do ano passado era de 9.488, com 2.655 mortes conhecidas. Só em 1998 foram notificados 1.970 novos infectados, superando os 1.511 do ano anterior. Só em outubro desse ano foram registrados 221 contaminados, 154 do sexo masculino e 67 do feminino.

A advogada Rosa Maria Rodrigues de Oliveira, do corpo jurídico do Gapa, diz que é importante garantir qualidade de vida para todos os contaminados. Isso passa pela garantia de acesso a tratamento ambulatorial, de leitos hospitalares e medicamentos. E também contempla a capacitação dos setores de recursos humanos das empresas, para que enfrentem a epidemia no local de trabalho. “É preciso incentivar ações para barrar o preconceito nas escolas, nas creches, presídios e organismos privados”, argumenta Rosa Maria.

Como a doença segue um caminho rumo ao interior do país, o constrangimento dessas populações faz com que os leitos faltem na capital e sobrem nas cidades pequenas. Enquanto a demanda em Porto Alegre, por exemplo, atinge 110 leitos/mês, a oferta é de apenas 50. Mas é preciso considerar que, de acordo com os dados do governo estadual, 73% dos casos de Aids estão concentrados na região metropolitana.

“Meu companheiro morreu sem saber que estava com Aids. Ela acontece por absoluta falta de informação”, relata o professor de História José Valdir Theobald, 37 anos, um dos 70 voluntários do Gapa. Contaminado, ele diz que nunca pensou em contrair a doença. “Não tinha comportamento de risco e sempre fui fiel a meu parceiro”, descreve.

Theo, como é conhecido o professor, recorreu ao Gapa depois de saber que estava contaminado. “Fiquei desestruturado. Mas depois percebi que a Aids é apenas mais uma forma de morrer, assim como a guerra, o cólera e a violência. Por isso é necessário aprender a morrer com dignidade”, diz. Theo, por conta dessa revelação, faz hoje palestras e participa de grupos de ação junto a infectados.

Os números da Aids

Até 1998 existiam 33,4 milhões de pessoas infectadas pelo HIV no planeta, das quais 14 milhões já morreram. A cada minuto acontecem 11 novos casos no mundo. Só no ano passado, de acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), foram registrados 5,8 milhões de novas contaminações e 2,5 milhões de mortes. As mulheres representam 43% do universo de adultos. Cerca de 3 milhões de jovens entre 15 e 24 anos foram infectados. Desde o início da epidemia, em 1982, mais de 4 milhões de crianças com menos de 15 anos já foram contaminadas em todo mundo.

Os dez anos do GAPA

O Grupo de Apoio e Prevenção da AIDS (GAPA) completou 10 anos no último 3 de abril. Neste período, acumulou projetos regulares em sua sede. Como seus recursos são oriundos de programas específicos, o financiamento é o principal problema da instituição. Mesmo assim, não passa pela cabeça de seus dirigentes fechar as portas em função dos mais de 700 usuários mensais dos serviços oferecidos. Karen Bruck de Freitas sintetiza ao Extra Classe um pouco da atuação do grupo, que reúne 70 voluntários.

Estrutura

Mudou bastante nestes dez anos. Hoje temos até três gerentes ocupados com metodologia, qualidade, planejamento e avaliação das ações.

Atividades de Assistência

Temos 17 plantonistas treinados para atender, de segundas a sextas-feiras, a demanda que chega à sede pessoalmente ou por telefone. A visitação é formada por uma equipe de voluntários que atua em hospitais e nas casas da Febem. No encontro, a idéia é proporcionar aos portadores um espaço para a troca. Funciona nas quartas-feiras, sempre às 19h. Há também 15 psicólogos voluntários, que prestam atendimento terapêutico breve.

Recursos

99% vêm de projetos que o Gapa envia ao Ministério da Saúde e fundações internacionais, como a Ford e a McArthur. Estes projetos passam por concorrências nacionais e internacionais. Eles não cobrem todas as despesas, por isto estamos sempre com a corda no pescoço.

Sede

O governador Olívio Dutra assumiu o compromisso de arrumar nossa casa. Temos laudo do Corpo de Bombeiros que demonstra os riscos da estrutura, principalmente da fiação. Estamos pensando num tipo de parceria, talvez projetos com escolas.

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