OPINIÃO

Bem caro

Publicado em 28 de março de 1999

Todos os argumentos pareciam estar clivados pela disputa eleitoral do ano passado que deu a vitória à Frente Popular e fez de Olívio Dutra governador dos gaúchos. Por conta disso, alguns poderiam pensar que as objeções à instalação de montadoras de automóveis no Rio Grande do Sul, a GM e a Ford, apenas escondiam motivações político-ideológicas. Poucos meses bastaram para afastar esta impressão enganosa.

O quadro financeiro revelado ainda em dezembro pelo próprio ex-secretário da Fazenda, Cezar Busatto, durante a conturbada transição governamental, leva à conclusão de que um Estado falido, como acusava a então oposição, não deveria mesmo patrocinar grandes empresas. Esta é uma questão grave, mas não é a única. Além deste aspecto econômico principal, a implantação da Ford no território entre as cidades de Guaíba e Eldorado do Sul envolve outras questões financeiras delicadas e imensuráveis, porque decorrentes de implicações ambientais.

No protocolo assinado entre a direção da indústria de automóveis e o então governo Antônio Britto, o Estado se responsabiliza não apenas pela construção da infra-estrutura – que inclui a construção de um porto privativo para a Ford e seus fornecedores – mas também assume os gastos com possíveis – e bem possíveis – danos ao ambiente no entorno do parque automotivo. E o entorno significa nada mais nada menos do que o Guaíba, o lago que abastece de água a capital, quase 1,5 milhão de pessoas. O Relatório de Impacto Ambiental, o RIMA, elaborado pelo órgão competente, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental, mostra claramente que o Estado deverá gastar muito, porque a agressão da Ford ao meio ambiente será inevitável.

O relatório da Fepam é tecnicamente complexo, contém uma terminologia especializada, números, medidas e proporções. Portanto, para não entrar neste universo, basta assinalar uma situação compreensível a qualquer cidadão. O terreno em que será edificada a fábrica da Ford está sendo aterrado porque situa-se numa área alagadiça. Áreas como esta facilitam a conexão dos líquidos com o lençol freático a poucos metros do Guaíba. Não é só. Tudo isso quer dizer também que o complexo industrial ficará em uma altitude superior aos terrenos da vizinhança. E a vizinhança, além do Guaíba, é constituída de pequenas propriedades rurais de um assentamento de colonos.

Ninguém minimamente lúcido é capaz de apostar que uma fábrica de carros não polui. Com a circunstância escandalosa do Estado pagar a conta da agressão ambiental, quem acreditaria que a Ford gastaria seu dinheiro em equipamentos mais sofisticados, que reduzem a emissão de substâncias tóxicas. Délcio Rodrigues, coordenador da expedição brasileira do Greenpeace, que esteve no estado em meados de janeiro, garante que no processo de pintura dos automóveis será empregada uma tecnologia barata e poluidora. Para o ecologista, as 700 gramas de mercúrio que a Ford lançará por ano ao Guaíba, a partir do ano 2002 pode provocar conseqüências imprevisíveis. “É um experiência que eu não faria”, alertou, sublinhando que todos os metais pesados estão sendo banidos da indústria européia e elas continuam funcionando.

Sem outras palavras, este é o assunto da reportagem de capa desta edição, tratado também na entrevista com o representante do Greenpeace no Brasil. Com certeza deverá ser objeto de muitos debates ao longo dos próximos anos. Até porque a conta será paga indiretamente não pelo Estado, mas pelos cidadãos que depositam confiança nos governos e dinheiro nos cofres públicos. E não serão só reais, mas virtuais cotas de sacrifício absurdo em termos de riscos de saúde pública. Corre-se o risco de comer e beber os rejeitos da Ford e pagar um preço bem caro.

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