O ponto central de minha infância foi a praça de Piratini onde a gurizada se reunia para brincar em torno do Obelisco do Centenário Farroupilha (erguido em 1935). A gente inventava jogos tais como o ver cavalo que, lá, Bento Gonçalves cavalgava em corpo inteiro.
Aos quinze anos de idade vim estudar na capital, no Colégio Júlio de Castilhos, e logo saí perguntando a meus novos colegas, porto-alegrenses na grande maioria, onde ficava o famoso monumento. Alguns não sabiam nem sequer quem tinha sido esse tal de Bento, que dirá seu paradeiro. Aos professores eu não podia perguntar, pois uma certa barreira impedia o trato informal entre mestres e alunos. Mas, confiante, perguntei a um motorista de táxi do ponto perto do colégio. Nem ele sabia…
Até que o encontrei, na mesma avenida em que se situava o colégio, mas lá adiante, perto da Ipiranga. Nenhuma criança brincando, ninguém por perto, o herói completamente abandonado e esquecido. Então, na pureza de meus quinze anos, fiz a promessa de que algum dia ainda veria todos os alunos do Julinho marchando no rumo maravilhoso da estátua. Desse período há um documento no livro de memórias Colônia Alemã, do hoje respeitável professor Telmo Lauro Müller, de São Leopoldo. À página 66: “Tive por colega de banco um certo Lessa. Um cara diferente de tudo o que havia no Julinho. Ele só falava em Bento Gonçalves, em gaúchos, e vinha com ‘filosofias’ que a gente jamais ouvira”.
O tempo passou, entrei para uma faculdade, comecei a trabalhar na Revista do Globo, certa noite fui acordado com a notícia de que o prédio do Julinho estava sendo destruído por um incêndio, corri ainda a tempo de chorar ao vê-lo ruindo, depois me mudei para São Paulo, passei a produzir programas de TV, redigir propaganda, na capital paulista estive por 20 anos, mas nunca deixei de receber boas notícias da querência, inclusive a de que haviam construído um novo e belo prédio para a escola do meu coração.
Voltei em 1974. Logo nos primeiros dias, estando eu junto ao ponto de táxi da Andradas com Caldas Júnior, perguntei ao motorista se podia me levar até o Colégio Júlio de Castilhos, se ele sabia onde era. “Claro que sei. Fica na praça Piratini. Bem em frente à estátua do general Bento Gonçalves”.
Quando desci junto à estátua, era hora de saída das aulas. Um ângulo de TV perfeito: em primeiro plano o meu velho amigo e, ao fundo, a moçada marchando com seus livros e cadernos. Sob um turbilhão de idéias, mal consegui balbuciar a síntese exclamativa da mais estonteante surpresa:
– Mas bah!
* Luiz Carlos Barbosa Lessa é jornalista, historiador, folclorista e escritor