Um negócio em expansão
A oferta de ensino supletivo por escolas privadas está em franco crescimento no Rio Grande do Sul. Segundo dados da Secretaria de Educação do Estado (SEC), em 1996, 132 instituições privadas de ensino fundamental e médio (1º e 2º graus) atenderam 43.357 alunos, entre novos e repetentes. Em 1997, o número de escolas privadas subiu para 174 (32% a mais do que no ano anterior), que atenderam 48.169 jovens e adultos. A SEC ainda não tem o relatório das instituições de ensino particular que ofertaram o supletivo durante este ano, mas revela que pelo menos 21 novas autorizações já foram concedidas.
Para a pedagoga Jaqueline Moll, doutora em Educação pela Ufrgs e pela Universidade de Barcelona, pelo menos dois fatores explicam este crescimento. A sociedade de informação, na qual a escolarização passa a ser uma exigência básica do mercado de trabalho e a crise da escola pública, provocada pela baixa qualidade e pelo grau de exclusão. “Nós temos uma escola pública que segue produzindo o fracasso escolar, produzindo ignorância”, dispara.
Os empresários da educação comemoram o crescimento e justificam os investimentos no setor ao aumento da demanda de alunos. “Está se exigindo um grau de escolaridade cada vez mais alto”, avalia o professor Paulo Roberto Duarte Fagundes, 34, um dos proprietários da Escola de Ensino Supletivo Universitário, há dois anos em funcionamento no Shopping do Vale, em Cachoeirinha. “Isso faz com que as pessoas busquem complementar os estudos para garantir uma colocação no mercado de trabalho. Também, a própria evolução da sociedade cria no indivíduo a necessidade de ampliar seus conhecimentos”. Com experiência no magistério, Fagundes assegura que a rede particular de ensino descobriu um novo filão. “A tendência é de expandir ainda mais”, acredita.
DEMANDA – Fagundes sabe o que diz. Dados do Ministério da Educação reforçam esse diagnóstico. O Plano Nacional de Educação e o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil (PNUD/IPEA), de 1997, ambos com tabelas de 1995, revelam que 63% dos alunos do ensino fundamental têm idade superior à faixa correspondente à sua série. Na região Sul este índice cai para 42%, mas ainda é um percentual alto. “Isso significa que esses alunos, quando estiverem concluindo a 4ª série, completarão 18 anos e poderão entrar na educação supletiva”, analisa Jaqueline, acrescentando: “isso resulta em uma corrida para o ensino supletivo privado”. Ela assinala que a escola pública não possui nenhuma adaptação às demandas de jovens e adultos.
Conforme pesquisa da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico(OCDE), divulgada pelo Ministro da Educação, Paulo Renato Souza, entre os países do Mercosul, o Brasil é o que tem maior número de estudantes cursando o ensino médio (2º grau) na faixa etária entre os 18 e 21 anos. A maioria desses alunos, chamados atrasados, porque apresentam defasagem na relação idade-série, estuda à noite, revelando que a maioria deles trabalha durante o dia e tem pressa para o concluir o curso.
Apesar disso, só o estado de Minas Gerais implantou, em agosto do ano passado, classes de aceleração para estudantes do ensino médio. Eles podem fazer o curso em três semestres, através do programa “A caminho da cidadania”, que formou 89 mil no meio deste ano, depois de freqüentarem as classes de aceleração do ensino fundamental do programa “Acertando o passo”. Aos alunos com mais de 18 anos dos outros estados brasileiros só resta a opção dos cursos supletivos. O Rio Grande do Sul é o estado com menor número de alunos em defasagem, mas ainda assim a taxa é de 22,6% – nos estados do Norte e do Nordeste, o mesmo índice chega a 64,2%, bem acima da média nacional, que é de 46,7%.
ATRASADOS – Segundo dados do MEC, dos 35,8 milhões de alunos brasileiros matriculados este ano em escolas públicas e privadas do ensino fundamental(1º grau), 46,6% já foram reprovados pelo menos uma vez. Entre esses repetentes, 8,5 milhões deveriam estar no ensino médio porque completaram 14 anos, idade em que deveriam estar concluindo a 8ª série. A reprovação no ensino fundamental provoca um estouro no ensino médio. Neste ano, 53,6% dos alunos matriculados no ensino médio, o equivalente a 6,9 milhões de estudantes, já haviam completado 18 anos e, teoricamente, deveriam estar na universidade.
Para a secretária de Educação do Ensino Fundamental do MEC, Iara Prado, corrigir a defasagem entre a idade e a série, através da implantação de classes de aceleração, deve ser uma prioridade. Até porque, antes disso, será impossível adotar mudanças previstas na nova LDB da Educação, como a ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos. “Não adianta os estados decidirem matricular alunos a partir dos seis anos. É preciso corrigir a defasagem com turmas de aceleração”, adverte ela, acrescentando que avaliação do MEC preliminar mostra que os alunos concluem o processo de aceleração e conseguem se incorporar às classes regulares.
Este programa de aceleração, que atinge 1,18 milhões de alunos no país, consiste no repasse de recursos para o treinamento de professores e confecção de material didático. Como o Rio Grande do Sul apresenta uma taxa de defasagem inferior à media nacional ficou fora do programa. Apesar disso, dos 20 milhões de brasileiros analfabetos com idade de dez ou mais anos, os gaúchos somam 640 mil. Os números são de 1990 e entre os 46 milhões de brasileiros com menos de quatro anos de estudo, mais de 2 milhões são gaúchos. Juntando todos os programa públicos desenvolvidos no Rio Grande do Sul, o atendimento não chega a 3,3% da demanda.
É neste quadro que os supletivos crescem e faturam. A direção do Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS) acompanha com preocupação essa expansão do número de escolas de ensino supletivo. “Com raras exceções, são as que apresentam o mais alto índice de descumprimento do acordo coletivo e das leis trabalhistas”, revela o professor Marcos Fuhr, diretor do sindicato e integrante do Conselho Estadual de Educação (CEEd). “As irregularidades vão desde o pagamento inferior ao piso da categoria até a contratação sem carteira assinada”. Fuhr assegura que o Sindicato vai intensificar a fiscalização no setor. “Estes empreendedores estão pedindo autorização para oferecer também o ensino regular. Tememos que essa expansão aumente também as irregularidades”, desabafa.
JUSTIÇA – Com freqüência, o Sinpro/RS ajuíza ações trabalhistas contra as escolas de ensino supletivo para fazer cumprir cláusulas elementares do Acordo Coletivo de Trabalho da categoria. Entre elas, até mesmo o pagamento dos salários, como é o casos da Escola Científico de Porto Alegre. Nos últimos quatro anos, o departamento jurídico do Sindicato impetrou 15 ações judiciais, exigindo o pagamento de salários, férias, 13º, verbas rescisórias e até mesmo o depósito do Fundo de Garantia dos professores do Científico. “Mesmo quando assinam um acordo para parcelar o débito, os proprietários desta escola acabam descumprindo o ajustado, ocorrendo de pagarem com atraso e em valor inferior ao estipulado”, relata a advogada Maria de Lourdes Martines , do Sinpro/RS.
Marcos Fuhr apela aos professores para que não sejam coniventes com estas irregularidades. “Não podemos permitir que estes descumprimentos passem a ser regra. Não aceitem assumir uma carga horária sem carteira de trabalho assinada. Entrem em contato com o sindicato”, solicita. Segundo ele, os proprietários de colégios supletivos também são os mais resistentes na mesa de negociação do dissídio. “Eles são contrários a qualquer avanço e têm se pautado, nos últimos anos, pela tentativa de retroceder nas conquistas, especialmente, em diminuir o valor do piso”, enfatiza.
Bruno Eizerik, diretor administrativo do Colégio Monteiro Lobato, presidente da Associação das Escolas de Ensino Supletivo do Estado e diretor do sindicato patronal – Sinepe/RS, confirma que existem escolas descumprindo o acordo coletivo, a legislação trabalhista e até mesmo as normas exigidas para colocar em funcionamento uma escola. “Nós temos uma comissão de ética na Associação, mas acho que este trabalho de fiscalização deve ser feito pela Secretaria de Educação, o Conselho Estadual de Educação, o Ministério do Trabalho, o INSS e até mesmo pelo próprio Sinpro”.
Eizerik diz que a competitividade neste mercado é grande e admite que a concorrência está desleal. “Nós sabemos de coisas horríveis. De cursos que estão funcionando mesmo sem ter autorização do Conselho… Mas não vai ser eu que vou montar num cavalo, pegar uma lança e fazer justiça”, desculpa-se, reconhecendo que as escolas que cumprem com seus compromissos acabam com a imagem prejudicada em função daquelas que estão irregular.
Filho do fundador do Monteiro Lobato, escola que está no mercado há 40 anos, Eizerik atribui a pujança do setor à estabilidade econômica do início dos anos 90. “Agora estamos numa fase de manutenção”, observa. Contudo, analisa com cautela o crescimento no número de escolas de supletivo. “Tem aumentado, sim. Só que muitas abrem e fecham logo”, observa. “A maioria dos alunos trabalham e quando as dificuldades financeiras apertam, a educação é o primeiro custo a ser cortado”.
AMPLIAÇÃO – Apesar disso, muitas permanecem funcionando e as que estão no mercado há mais tempo se consolidam com grandes investimentos. A Sociedade Educacional Meta começou a operar no início do ano passado no número 142 da Rua Marechal Floriano Peixoto (esquina com a Rua dos Andradas). O prédio de dez andares abrigava 850 alunos. Em menos de dois anos, a escola passou a atender 1.350 jovens e adultos que desembolsam até R$ 99,50 mensais. Em 98, o Meta passou a oferecer ainda o ensino médio regular, com matrícula semestral e por disciplina e pretende implantar o curso técnico em Administração de Empresas. Em agosto deste ano, a escola foi ampliada também para o número 1218 da Rua Riachuelo, de seis pavimentos, também centro de Porto Alegre.
O bom desempenho da Meta também se verifica no material promocional distribuído nas caixinhas de correio, um folder de quatro páginas em papel couchê e seleção de cores. Cláudio Krinski, 36 anos, proprietário do Meta, diz que 34 professores atendem todos os segmentos da escola e recebem o piso da categoria, R$ 6,02 a hora/aula (sem contar o repouso remunerado). Segundo ele, o aluguel do prédio de dez andares é superior a R$ 15 mil. “A competitividade é muito grande. A gente tem conseguido se manter crescendo, basicamente, tirando alunos de outras escolas com a oferta de serviços que as outras não têm”, expõe Krinski, ex-sócio da Escola Mestre, de ensino supletivo. “Nunca pensei chegar, em dois anos, a este patamar, a segunda maior escola de ensino supletivo”. Ele credita o crescimento às ofertas diferenciadas. “Começou por material didático próprio, o que não é uma prática do meio. Depois, passamos a oferecer, gratuitamente, curso de informática e de inglês para o aluno do supletivo”.
O Colégio Monteiro Lobato começou a funcionar oferecendo o ensino supletivo em um espaço apertado da Galeria Pio XII, centro de Porto Alegre. Desde abril deste ano, está instalado em um prédio de 15 andares, na Rua dos Andradas, esquina com a General Câmara, nas imediações da Alfândega, região nobre da capital. “Compramos o edifício num leilão do Banco Itaú. Foi financiado”, conta Eizerik sem revelar o valor do imóvel. “Fizemos um bom negócio porque o prédio é todo nosso e o banco Itaú acabou nosso inquilino”.
O colégio distribuiu nos 15 andares do estabelecimento o ensino supletivo, o curso pré-vestibular, o clube de línguas e o ensino médio regular, em funcionamento desde março. Para 99, serão implantados os cursos técnicos de enfermagem, computação, segurança do trabalho e contabilidade. Eizerik garante que o supletivo é responsável por 90% da clientela (800 alunos que pagam R$ 116,00 de mensalidade). “A idéia é crescer nos outros segmentos e não abrir mão do supletivo”, antecipa. “Tudo o que temos hoje e a nossa equipe surgiu através do supletivo. A gente não pode dar as costas a isso”. A escola paga R$ 6,79 a hora-aula do professor (sem contar o repouso remunerado).
Uma escola no shopping center
O professor Paulo Roberto Duarte Fagundes e mais quatro colegas de magistério são os proprietários da Escola de Ensino Supletivo Universitário, desde agosto de 1997, em funcionamento no Shopping do Vale, em Cachoeirinha. Eles estão animados com o empreendimento. A escola, uma franquia do grupo Universitário, de Porto Alegre, começou a funcionar com 320 alunos nos ensinos fundamental e médio. Um ano depois tem 550 alunos matriculados (71.8% de crescimento), que pagam mensalmente R$ 115,00, estudam em seis salas de aula e são atendidos por 20 professores, inclusive quatro dos proprietários. Em março de 99, começará a funcionar o curso pré-vestibular, com 260 vagas.
A intenção dos professores de abrir uma escola foi ao encontro da estratégia da administração do Shopping do Vale de locar um espaço para a área de ensino. “Inicialmente tivemos um certo receio devido ao caráter comercial do shopping, mas vários fatores acabaram influenciando na decisão”, revela. “Como o supletivo tem um aluno diferenciado, que na sua maioria trabalha, aqui ele tem acesso fácil ao supermercado, pagamento de contas, estacionamento, além de todo o serviço de segurança do próprio estabelecimento comercial”. Situada na divisa de Cachoeirinha com Gravataí, a escola está próxima dos pólos industriais dos dois municípios. “A metade de nossos alunos é de Gravataí”, diz.
Professor da rede particular de ensino, com experiência em supletivos, um dos motivos que levaram Fagundes a abrir uma escola de supletivo foi a baixa remuneração praticada por várias instituições de ensino “Já tive meu salário atrasado durante meses e, na verdade, não era porque a instituição não tinha dinheiro, mas sim, porque aplicava em outros setores”, relata. Para ele, geralmente, essa conduta ocorre quando o dono na escola não é professor. “Ele coloca a educação de uma forma diferente, não valoriza o corpo docente”, esclarece.
Atualmente, na figura de patrão, Fagundes se diz tranqüilo. Afirma que seu ponto de vista não mudou quanto à valorização do professor. “Dentro do possível, queremos ser os que melhor pagam aqui na região. Queremos que os professores competentes fiquem trabalhando conosco porque nosso objetivo é um ensino de qualidade. O professor é a referência do aluno”. Assegura que tenta remunerar bem seus professores, lembrando que quando escola foi fundada a hora-aula era apenas o piso da categoria. “Logo depois, independente do dissídio, demos um aumento real”. Hoje, a hora-aula é R$ 6,40. “Em termos de mercado ele está bem remunerado, mas não deve estar satisfeito não”, avalia.
PLANOS – Além do ensino de pré-vestibular, com 260 vagas, projetado para março, o grande objetivo do grupo de professores-empresários é trabalhar com o ensino regular. Além de uma pesquisa junto aos seus alunos para saber quais os cursos técnicos que eles acham mais necessários, a escola está realizando um acompanhamento do mercado da região. A tendência, segundo Fagundes, é de que sejam implantados, inicialmente, os cursos técnicos em enfermagem, administração (com ênfase em contabilidade e departamento pessoal) e segurança do trabalho.
Os sócios do Universitário de Cachoeirinha pagam cerca de 5% da mensalidade de cada aluno para o grupo Universitário de Porto Alegre pelo uso do nome fantasia da instituição na escola em Cachoeirinha. ” É um nome já colocado no mercado e tem 20 anos de trabalho com inserção em todos os níveis da educação”, justifica. Fagundes assegura que o marketing da marca Universitário deu um retorno muito bom. “Também temos gastos nesta área, mas mais direcionado. Do tipo, aqui tem mais um Universitário. Não precisamos gastar para criar um nome”, contrapõe. A escola também se submete aos padrões de qualidade exigido pelo grupo Universitário. “O próprio contrato prevê o acesso deles a todos os nossos registros”, expõe.
Uma marca no mercado
A marca Universitário surgiu em 1978, quando um grupo de professores abriu o curso pré-vestibular com este nome, na Rua Dr. Flores e na Rua dos Andradas, em Porto Alegre. Quatro anos mais tarde, a oferta de ensino foi estendida para o supletivo de 1º e 2º graus. Constitui-se a Associação Educacional Professor Edmilson Moraes Pereira. Em 90, implantaram o ensino regular com o Instituto Educacional João Paulo I, com duas sedes, que trabalham da pré-escola ao ensino médio.
Os investimentos não pararam por aí. Há três anos, o grupo vem trabalhando também com o serviço de franquias – alugam a marca Universitário para professores que desejam abrir uma escola de ensino supletivo e/ou pré-vestibular no interior do Estado. Já estão em funcionamento escolas em Pelotas, Rio Grande, Santa Maria, Vacaria, Capão da Canoa, Santa Cruz do Sul e Cachoeirinha, comprovando o que o “Top of mind 98 – As marcas que o consumidor tem na cabeça”, pesquisa realizada pela Revista Amanhã, que apontou o Universitário como o curso mais lembrado entre os jovens.
“É uma possibilidade de nós participarmos do processo com os professores locais, auxiliando com material didático e orientação pedagógica”, diz Carlos Alberto Lontra, 50, ex-professor de Química e atual assessor da direção geral do Universitário. “Faz parte do acordo uma inspeção de qualidade do serviço prestado”. A franquia somente é concedida para professores, segundo Lontra. “São do ramo”, justifica o assessor.
SUPLETIVO – A Escola de Ensino Supletivo Universitário começou a funcionar na Rua Riachuelo, em 1982, com o ensino fundamental. Dois anos mais tarde, passou a oferecer também o ensino médio. Em 88, surgiu a segunda sede, também no centro. E, em 90, a terceira, na Avenida Assis Brasil. No total, as sedes atendem cerca de 1.500 alunos, que desembolsam R$ 98,00 mensais.
As três dependências são locadas e estão funcionando com capacidade plena. “São contratos antigos, então, o custo do aluguel não é tão elevado”, observa a professora Rosângela Ribeiro da Silva, diretora geral da escola. Rosângela não soube informar com quantos alunos o supletivo começou a funcionar. Mas, segundo ela, que trabalha na instituição há 15 anos, até o início desta década, houve um aumento substancial da clientela.
Irregularidades trabalhistas não impedem novas autorizações
Mesmo com um rosário de descumprimentos da legislação trabalhista, os proprietários do Científico solicitaram ao Conselho Estadual de Educação (CEEd) autorização para abrirem mais uma escola neste ano. No dia 14 de julho, a direção do Sinpro/RS encaminhou um ofício ao CEEd manifestando sua surpresa e contrariedade com o pedido. Dizia o ofício: “Autorizar o funcionamento de uma escola que descumpre, sistematicamente, tanto à Constituição Federal, quanto às normas coletivas de trabalho, é o mesmo que premiar um comportamento empresarial desprezado pela sociedade, qual seja, o da exploração do trabalho e do desrespeito ao trabalhador como profissional e como ser humano”.
A correspondência foi acompanhada por cópias dos documentos de vários processos abertos pelo departamento jurídico do Sindicato. Nos últimos quatro anos, o Sinpro/RS ajuizou 15 ações trabalhistas, entre individuais e coletivas, contra a Escola de Suplência Científico (ex-escola Rizzo e Andrade e ex-Curso Científico), de Porto Alegre. Depois de infrutíferas reuniões com os proprietários da instituição de ensino, foi à Justiça do Trabalho que os professores apelaram para garantir o pagamento de salários, férias, 13º terceiro salário, verbas rescisórias e o depósito do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
O Sinpro/RS ajuizou também ações pelo descumprimento da Convenção Coletiva de Trabalho da categoria, assinada anualmente com sindicato patronal. A escola teve sentença condenatória em quatro processos. Em outros dois assinou um acordo de conciliação para pagar o débito parcelado. Em outros três – depois de a escola firmar um acordo de ressarcimento dos valores aos professores e não cumprir, foi declarado a penhora de bens da instituição de ensino. Seis processos estão em andamento.
“Quem trabalha com a educação tem de se preocupar antes de mais nada com as condições de trabalho de seus profissionais e o serviço que oferece à sociedade”, observa o professor Amarildo Cenci, diretor do Sinpro/RS.
AUTORIZADA – Mas os proprietários do Científico receberam sinal verde do CEEd para abrir mais uma escola, que só não está em funcionamento porque o aval foi dado após o período de matrículas. Segundo Sérgio Andrade, 53, ex-proprietário do Científico e atual administrador da instituição, a expectativa é de que em março a escola esteja recebendo alunos para o ensino médio.
Antonieta Mariante, presidente da Comissão da Educação de Jovens e Adultos, do CEEd, diz que os descumprimentos da legislação trabalhistas não são de competência do Conselho e não impedem a autorização. “Claro que, no caso de haver uma denúncia, onde fique comprovado que estes problemas estejam interferindo na questão pedagógica, aí sim, o Conselho terá de tomar providências”, observa. “A abertura da escola foi autorizada porque a estrutura física do prédio e a qualificação docente estavam dentro das normas exigidas”.
Por sua vez, a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) não tem competência para permitir ou não a abertura de uma nova escola por uma instituição de ensino que apresentem irregularidades trabalhistas. “O trabalho da DRT é o de fiscalizar a escola e autuá-la quando ela está descumprindo as leis do trabalho”, expõe Helena Beatriz Maidana de Andrade, Coordenadora de Assuntos Trabalhistas da DRT, em Porto Alegre. “Não podemos impedir a abertura de uma nova escola”. Maidana sugere aos professores que denunciem à DRT quando as instituições de ensino não estiverem cumprindo a legislação. “Podem fazer também a denúncia ao INSS porque, provavelmente, se não cumprem a legislação trabalhista também não estão recolhendo a contribuição dos empregados. Ela recomenda ainda denúncia à Receita Federal, porque podem ainda ter problemas com a tributação”. Segundo Maidana, a fiscalização da DRT orienta-se pelo levantamento de dados do Fundo de Garantia, onde se verifica indícios dos débitos. A partir daí, a fiscalização é dirigida para as instituições onde realmente existem problemas.
A Escola de Suplência Científico foi fundada em 1980. Funciona na Praça Parobé, e tem cerca de 800 alunos, que pagam em média R$ 65,00 e são atendidos por cerca de 35 professores. Em março deste ano, abriu o curso pré-vestibular Científico, na Riachuelo (espaço para o qual recebeu autorização para abrir a nova escola), onde estudam cerca de 220 pessoas.
Andrade atribui a situação de descumprimentos trabalhistas da instituição à má-administração do sócio gerente (um contador), o baixo número de alunos e a inadimplência nas mensalidades (em torno de 50%). A outra proprietária é uma professora. Ele foi fundador e dono da escola de 80 a 94. “Os novos proprietários não conseguiram tocar a escola e aí eu estou trabalhando para eles, por procuração”, observa. “Retornei por causa destes problemas trabalhistas. Os professores estavam em greve. Consegui um empréstimo, senão a escola corria o risco de fechar”, conta. “As ações estão sendo pagas na medida do possível”, expõe. Quando Andrade retornou à administração da escola, o processo para abrir uma nova instituição de ensino já estava em andamento.
Fiscalização precária
No segundo semestre de 1993, o Conselho Estadual de Educação cassou a autorização de funcionamento do curso supletivo de educação geral em nível de ensino de 1º e 2º graus, da Sociedade Escola Oxford Ltda, na Avenida Salgado Filho, 359, em Porto Alegre. A cassação do curso, que tinha sido autorizado a funcionar em 1990 pelo prazo de cinco anos, pelo descumprimento do artigo 3º da Resolução 189/87, que estipula a idade mínima de 18 anos para os alunos ingressarem nos cursos de 2º grau. Também havia professores atuando sem comprovação de habilitação para o exercício da função. As irregularidades foram verificadas por técnicos da SEC e do CEEd.
Agora o CEEd está avaliando a Escola de Ensino Supletivo Gama, de Passo Fundo. Autorizado para oferecer o curso em Passo Fundo, o proprietário passou a realizá-lo também no município vizinho, Casca. “A autorização para o funcionamento de uma escola passa por uma série de exigências. Entre elas, estão as normas mínimas para as dependências onde os alunos terão acesso à educação”, acentua Antonieta Mariante, presidente da Comissão de Educação de Jovens e Adultos do CEEd. “Se mudar de local é preciso uma nova avaliação”.
O CEEd, a SEC e suas 29 Delegacias de Educação (DEs) não têm conseguido fazer uma fiscalização nem mesmo pontual nas escolas no estado. Muitas das vistorias só ocorrem a partir de denúncias. “O número de recursos humanos nesta área é reduzidíssimo, até porque não temos gente habilitada”, expõe Vilma Soares Barbosa, chefe da Divisão de Ensino Supletivo da SEC, contando que a inspeção se concentra mais nas escolas particulares. “É ali que mora o perigo”. Ela conta que chegou a solicitar à Assembléia Legislativa uma lei que exigisse a fixação, nos corredores de livre trânsito das escolas, da autorização de funcionamento do concedida pelo CEEd para o controle dos próprios alunos. O pedido não foi atendido. “Tem muitos cursos aí que vendem gato por lebre”, assegura. A denúncia mais freqüente que a SEC recebe é de cursos que não têm avaliação no processo e não dizem isso aos seus alunos. “Quando eles terminam os estudos, solicitam o certificado e aí não têm”, descreve.
Também órgão do Estado, o CEEd tem sérias dificuldades para manter uma vigilância permanente sobre as escolas. A Comissão de Educação de Jovens e Adultos tem seis conselheiros com uma carga horária de 24 sessões/mês. “A demanda é muito grande. Recebemos muitas consultas de pessoas interessadas em abrir uma escola, e instalar um curso”, revela Antonieta Mariante, presidente da Comissão. Os conselheiros têm concentrado as visitas para verificação in loco das instalações, infra-estrutura, biblioteca, laboratório, quando a escola pede autorização para iniciar as atividades. Ela diz que o CEEd tem barrado muitas autorizações por causa das instalações precárias e insalubres. As denúncias de irregularidades nas escolas são encaminhadas por escrito ao CEEd (Rua Carlos Chagas, 55, esquina com a Avenida Júlio de Castilhos, centro, Porto Alegre).