GERAL

Ofício delicado

Valéria Ochôa / Publicado em 30 de setembro de 1998

Antes mesmo de dominar a escrita e a leitura, aos seis anos de idade, Luiz Alberto Bencke, 53, passou a aprender violino por imposição do pai, músico autodidata. Bisneto de imigrantes alemães, Bencke nasceu em Venâncio Aires e cresceu no interior de Santa Cruz do Sul. Lembra que era como um ritual: diariamente, cerca de meia hora antes de sair para o colégio primário, lá estava o pai a postos. Todos da família tocavam instrumentos musicais e, aos domingos, reuniam-se para fazer música em conjunto com os alunos do pai. Nestes encontros Bencke começou a se interessar pela música. “No início fazia as aulas meio a contragosto, depois passei a gostar. Descobri que fazer música em conjunto é muito mais divertido”.

Aos vinte e poucos anos de idade, Bencke ganhou um violino antigo, um presente do irmão, Nélio Edgar (atual 1º violino da OSPA). O instrumento tinha uns 150 anos e precisava de reparos. Com o auxílio do pai, ele devolveu ao violino toda a capacidade musical. “Foi a gota d’água para eu me entregar também a esta atividade”, revela. A partir daí, debruçou-se sobre a bibliografia sobre consertos de instrumentos musicais e não parou mais. Era a década de 60 e ele já morava na pequena Ivoti, no Vale do Sinos, onde vive até hoje. “Você já viu um lugar tão tranqüilo?”, pergunta.

Foi nesta cidade que Bencke ingressou no magistério, também seguindo os passos do pai, professor primário. Em 1966, depois de completar o curso Normal, começou a lecionar Português, Alemão e Música na Escola Evangélica Ivoti. Em 79, formou-se em Letras (Português e Alemão) pela Unisinos. Bencke continua trabalhando na Escola Evangélica mesmo já tendo se aposentado. “Reduzi um pouco a carga horária”.

Além de professor de música, Bencke é regente da Orquestra de Câmara da escola onde trabalha e cujos instrumentos dá manutenção. Às suas mãos, foram chegando também instrumentos de várias partes do Estado. Uns modestos, outros preciosos, como é o caso de um violino italiano, de 1773, de um músico de Porto Alegre. “Independente de ser modesto ou uma raridade, o instrumento merece um profundo respeito”. Em 81, visitou vários “Luthier” (construtores de instrumentos) na Alemanha.

Casado, pai de quatro meninas (todas tocam um instrumento musical), Bencke reserva boa parte de seus finais de semana para “recuperar a alma” de dezenas de violinos, violões, violoncelos e outros instrumentos de cordas. Desenvolve a atividade numa oficina própria, de quatro metros por quatro, que mantém em sua residência. Um trabalho delicado que, segundo ele, exige um profundo conhecimento da peça e do quê ela pode render em termos de música. “Cada instrumento tem uma alma, uma coisa tão sensível que é difícil traduzir em palavras. Captar esta alma é um belíssimo desafio, um trabalho minucioso”, sintetiza. “Eu tenho uma vantagem, também sou músico”.

Bencke conta que muitos instrumentos chegam às suas mãos em estado de calamidade. “Tenho recebido alguns que foram passando de geração a geração. Um belo dia, alguém da família encontra o instrumento jogado no sótão ou no quintal, cheio de teia de aranha, sujo e por motivos sentimentais o traz para eu limpar e o colocar em pleno funcionamento”, conta. “Em alguns casos é necessário reconstruir o instrumento”. Para ele, este trabalho tem várias recompensas, entre elas, a satisfação do músico ao receber o instrumento novinho em folha.

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