Tânia Carvalho
Vocacionada para o telejornalismo, ela transitou pelo teatro, cinema e, na agitação cultural e política dos anos 60, desenvolveu uma personalidade inquieta e bem-humorada.
A jornalista Tânia Carvalho diz que vive intensamente cada momento e retira deles lições que balizam sua personalidade, democrática e sem qualquer preconceito. Ao contrário de boa parte das mulheres, ela não esconde a idade, pois tem orgulho e faz questão de revelar tudo o que viveu. A data de nascimento é singular: 25 de dezembro de 1942.
Extrovertida, cabelo, maquiagem e manicure sempre em dia, o perfume Dolce & Gabanna anuncia sua presença com antecedência. Mas ela é mais que uma boa imagem e surpreende o desavisado na primeira conversa. Jornalista por vocação (nunca fez o curso), na década de 60, ela resolveu se aventurar mundo afora. Foi para São Paulo. Trabalhando na Editora Abril, seu temperamento expansivo a conduziu para o mundo da cultura, outra grande paixão.
O primeiro casamento, com o falecido ator Geraldo Del Rey, em 1963, foi um canal para o meio artístico e da TV. Logo passou a conviver com o pessoal do Teatro Oficina – Zé Celso, Raul Cortez, Célia Helena – e também do Teatro de Arena, Dina Sfat, Gianfrancesco Guarnieri. “Walmor Chagas é meu amigo desde o tempo em que era casado com Cacilda Becker. Arnaldo Jabor é outro super meu amigo”.
Praticamente todos os atores daquele período eram engajados na política e, muitos, ligados ao Partido Comunista Brasileiro. Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha era um deles. “Com toda essa convivência, me politizei”. Não ingressou no PCB, mas fez parte da resistência à ditadura, ajudando os amigos. Barba era coisa de comunista e um dia a polícia bateu no Teatro Oficina, durante a encenação de “Os Pequenos Burgueses”, em que todos usavam barba. “Fernando Peixoto, Renato Borghi, Ítala Nandi tiraram a barba e me entregaram. Fiquei dias com aquilo enrolado, sem saber o que fazer”, confessa Tânia.
Ela recorda com saudade do tempo em que convivia com Glauber Rocha e sua família. “Ele morava na minha casa, quando ia para São Paulo, e eu ficava na casa dele quando ia para o Rio de Janeiro”. Outros baianos entraram na vida da apresentadora, além do marido e de Glauber, como Caetano Veloso, Maria Bethania, Gal Costa, João Gilberto. “Nara Leão era minha amiga íntima. Ela namorou o Glauber escondido e só eu sabia, porque era na minha casa”.
Situação política tensa, Tânia e o marido acharam melhor passar um tempo na Europa, onde morou de 65 a 67. Del Rey fez um filme com Maria Barroso, mulher do ex-primeiro ministro português Mário Soares e Tânia fez uma ponta. “Mas eu não sou atriz”, diz, taxativa. Não é o que pensa o jornalista Sérgio Jockimann. “Dirigi a Tânia na minha peça ‘Se…’, no final da década de 70. Ela é uma atriz excepcional e a melhor profissional que Porto Alegre já teve em termos de jornalismo de TV”, elogia o colega dos tempos de TV Difusora e Gaúcha. Ele costuma dizer que a apresentadora tem uma série de qualidades: “um trato fantástico com as pessoas e bom humor, coisa rara numa mulher”. Assinala que Tânia Carvalho começou em TV numa época em que mulher trabalhar nessa área não era encarado com grande simpatia. “A vida me ensinou a não julgar ninguém. Realmente, eu não tenho preconceito de nada”. Tânia é uma mulher superativa, incapaz de ficar parada, sempre atenta à última coisa que fez ou que está prestes a fazer.
Em 1967, iria nascer seu primeiro filho, Fabiano, e Tânia resolveu voltar para o Brasil. Depois de romper barreiras, preconceitos e gritar contra o regime militar – “era uma época em que todos nós éramos de es-querda; direita era o governo, o poder” – Tânia mudou de rumo. Separou-se em 1970 e voltou para Porto Alegre, onde tinha aportado, quando saiu de Bagé, ainda garota. Nesse retorno, foi trabalhar numa galeria de arte e depois fazer TV.
Era o ano de 1972 e ela se transformou na primeira apresentadora do Jornal do Almoço, na TV Gaúcha. “Passei por todas as rádios, Gaúcha, Difusora, Pampa…”. Nessa última, seus colegas eram Rogério Mendelski, Alexandre Garcia e Antônio Britto. Na TV Difusora, fez o Portovisão. “Um programa maravilhoso. Ela também fez o Guaíba Feminina. Na TVE, foi demitida a pedido do então governador Alceu Colla-res, por causa de um comentário sobre moda que teria atingido os brios da primeira-dama, Neusa Canabarro. Clóvis Duarte a acolheu no seu programa Câmera Dois, da TV Guaíba. Hoje, ela tem um programa na TVCOM.
“Vejo todas as peças, leio todos os livros, estou a par de tudo”, diz. “Ela é mulher que lê, que vai ao teatro, cinema. Ela transita. Mais que agitadora cultural, ela própria é uma mulher culta”, define o jornalista e professor Tatata Pimentel, que trabalhou muito tempo ao lado dela. Ele costuma dizer que as pessoas fazem associação entre os dois porque suas personalidades são muito parecidas. “Somos expansivos”, argumenta. Eles se conheceram quando Tânia tinha 15 anos e trabalhava como secretária no curso Yázigi. “Eu fazia segundo grau no Julinho. Meu pai era presidente do Clube do Comércio. Como não tinha boate, ela freqüentava todos os ambientes. Ficamos muito amigos”, relata.
Eva Sopher, presidente da Fundação Theatro São Pedro, percebeu logo a vocação cultural de Tânia e a convidou a presidir a Associação dos Amigos do Theatro São Pedro, o que ela fez por oito anos. “Tânia é minha amiga há muito tempo”, afirma, destacando sua retidão de caráter e seu coração generoso. Para Eva, fica na memória a pessoa prestativa que a amiga foi no cargo.
Hoje ela está casada com o médico Felicíssimo dos Santos e com ele teve seu segundo filho, Diogo, de 16 anos. E tem a vida que abominava na juventude: família, casa, sossego. “Quando voltei para Porto Alegre, o que eu mais queria era ter minha casa e família. Porque eu só tinha tido loucura. O Geraldo fumando, as pessoas usando (drogas) e eu, de observadora. O Felicinho – como chama o marido – me acompanha bastante, me apóia, é meu amigo.” Hoje ela gosta de ficar em casa, de cozinhar e passar os finais de semana em Gramado. Aliás, Tânia cobriu praticamente todos os Festivais de Cinema de Gramado.