Na década de 50 saquearam a Previdência para construir Brasília. Nesta mesma fonte buscaram dinheiro para a construção de Itaipu e muitas outras obras faraônicas. Muitos corruptos encheram o bolso. Outros tantos torraram os recursos acumulados pelas contribuições dos assalariados, milhões de brasileiros, alguns dos quais já mortos, outros vivendo na miséria com os minguados reais da aposentadoria, sujeitos ao triste fim nas filas do INSS. Temos milhões de professoras que, através da aposentadoria especial aos 25 anos de serviço, se aposentaram com um salário insuficiente para garantir uma vida digna, após anos estressantes de trabalho. Mais de 95% dos aposentados continuam trabalhando – quando conseguem, claro – para sobreviver, pois o “salário-benefício” é miserável.
Com o fim do Estado de Bem-Estar Social, decretado pelo neoliberalismo, empurra-se milhões de brasileiros desempregados para a economia informal, reduzindo cada vez mais o número de contribuintes da Previdência. Com o avanço da automação industrial, cai o emprego da mão-de-obra e despenca também a arrecadação, porque sobre as funções do robô não incidem contribuições previdenciárias. Nesta perspectiva, só não chegaremos à completa insolvência da previdência social e de outras políticas públicas, se o valor econômico agregado pela incorporação tecnológica for tributado. Aliás, esta é uma medida que começa a ser adotada nos países de primeiro mundo, paradigma tantas vezes invocado pelos “modernos” empresários e governantes.
Some-se a isso o crescente desemprego, associado à própria automação e a um modelo de desenvolvimento perverso que, por exemplo, incentiva importações e a produção de carros ao invés de alimentos e roupas, chegaremos rapidamente a uma situação caótica.
É inaceitável que um sociólogo marajá esteja denominando de vagabundos, provavelmente, suas ex-professoras e os milhões de brasileiros que iniciaram suas atividades aos 8, 10, 12 ou 15 anos de idade. É inadmissível que um professor universitário, com formação específica na área das ciências sociais, que obrigatoriamente deve conhecer as ciências demográficas, onde se inclui o termo expectativa de vida, venha a afirmar que se aposentar antes dos 50 anos significa ser vagabundo. Isto equivale a dizer e decretar que mais de 30% da população mais pobre morra antes de se aposentar, muitas vezes tendo trabalhado 40 anos. No Brasil, a expectativa de vida situa-se em torno dos 65 anos, mas em certas regiões e nas classes sociais mais pobres, não passa dos 54 anos. Entre esta parcela de excluídos, o trabalho começa na infância. Quem começa aos 10 anos, trabalhará 40 e não será vagabundo, simplesmente porque morre.
Depois ele veio com desculpas esfarrapadas, alegando incompreensão de suas declarações. Remendou dizendo que criticara os altos salários de alguns funcionários públicos, marajás. Deve estar se referindo aos seus colaboradores no governo e a si próprio. Já ouvimos expressões semelhantes de um outro Fernando, o caçador de marajás, que saqueou a poupança de milhares de brasileiros e iniciou esta caminhada de inserção submissa da economia brasileira nesta globalização destinada a atender aos interesses de grandes grupos econômicos que controlam a economia mundial. O Fernando I, que matou muitos dos descamisados que dizia defender, terá sua obra complementada pelo Fernando II, que enterrará muitos aposentados antes da aposentadoria, para que não se tornem vagabundos. Isso é que é dinastia vigorosa, ideológica. O único risco é se os descamisados, os desempregados, os inválidos e os que nem vão se aposentar resolverem empreender uma caçada aos verdadeiros marajás e vagabundos?
*Angelo Dal Cin é sociólogo, especialista em Ecologia Humana, professor na Unisinos, coordenador de Comunicação Social na Diretoria Colegiada do Sinpro/RS.