CULTURA

Alma e braço da Jornada

Valéria Ochôa / Publicado em 6 de novembro de 1997

Tânia Rösing

Tânia Rösing, mentora e coordenadora da Jornada de Literatura de Passo Fundo, trabalha decidida a ver seus projetos florescerem. A mão dela está em tudo, da idéia ao projeto final, incluindo a penosa busca de financiamento. E se for preciso prender o grito para agilizar o processo, ela não hesita.

Psiuuuu! Calem a boca! Ao chamar a atenção de dois jornalistas indignados com as declarações de um dos painelistas da 7ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, Tânia Rösing parecia estar avisando: não perturbem, senão não serei responsável pelo que posso fazer. Antes disso, fazia sinais para os moderadores do debate, apontando o relógio de pulso, alertando-os para não deixarem a polêmica estender-se, o que poderia desvirtuar a proposta da jornada e prejudicar o tempo dos outros participantes.

Tânia está desde 1971 na Universidade de Passo Fundo e hoje é vice-reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão. “Com ela não tem nhém, nhém, nhém. Tem que ser direto – faço ou não faço”, diz um dos funcionários da gráfica da UPF, que trabalha na instituição há mais de 15 anos, mas prefere não se identificar. “Quando um serviço está demorando para ser concluído, ela liga para cá e diz: como é que é, vai sair ou não? “É uma pessoa séria, firme nas posições e resolve as coisas. Aprendi muito com ela”, depõe.

Tânia Mariza Kuchenbecker Rösing completou 50 anos no úl-timo dia 16 de outubro. Filha de Luiz Gustavo Kuchenbecker, alfaiate, e Mercedes Cidade Kuchenbecker, do lar, pegou no batente aos 14 anos, como secretária. Planejava fazer o curso de Direito, mas o pai queria que ela fosse professora. Aos 18, começou a lecionar Língua Portuguesa no curso de Contabilidade do Instituto Educacional de Passo Fundo. Substituía uma professora que estava doente.

O convite para ocupar a vaga foi feito pelo namorado Acioly Rösing, com quem está casada desde 1967 e tem dois filhos, Cassiano, 27, dentista, e Ilana, 25, fisioterapêuta. Nunca mais abandonou o magistério. Formou-se em Letras e Pedagogia pela UPF. A especialização em Metodologia do Ensino Superior, o mestrado e o doutorado em Teoria da Literatura foram realizados na PUC/RS. “Somos alegres”, conta Tânia, que adora reunir os familiares semanalmente para gostosos bate-papos. “Cuidamos dos velhinhos de nossa família e isto nos enche de muita alegria”.

Divide a casa só com o marido. Cassiano mora em Porto Alegre e Ilana em São Paulo. Duas empregadas trabalham há 20 anos com o casal: Terezinha e dona Ivone.

A literatura é a arte com a qual Tânia mais se relaciona, mas prefere a interação de todas. “O mundo das artes é uma teia em que todas se mesclam”. Vide a Jornada de Literatura, que além dos livros e de exposições artísticas, oferece oficinas em áreas como o cinema, fotografia, teatro.

Tânia sempre esteve disposta a despertar o gosto pela leitura, em sala de aula e na população da região. Foi coordenadora de A hora do conto em praças públicas de Passo Fundo, de campanhas para aquisição de livros para bibliotecas e escolas. Fez ainda o acervo infanto-juvenil da Biblioteca Central da UPF circular em diferentes bairros da cidade. Também coordenou a implantação do projeto Salas de Leitura da FAE-MEC na região de abrangência da UPF, instalando 1.156 salas para este propósito. “Foram fechadas na época da secretária de Educação Neuza Canabarro”, lastima.

Apoio – A Jornada Nacional de Literatura nasceu em 1981, com o objetivo de aproximar os escritores dos leitores. Ela foi apoiada pelo escritor Josué Guimarães, que se encarregou de fazer os contatos com os expoentes literários. “Cheguei uma semana adiantado”, conta o escritor Moacyr Scliar, um dos participantes da primeira edição. “Tânia mandou-me a passagem com um aviso: te esperamos na quinta-feira. Foi o que fiz. Só que o evento era na semana seguinte.” Aproveitou para conhecer a coordenadora do evento. “Tânia é uma das mais extraordinárias promotoras culturais do país”, assegura. “Além disso, é uma belíssima pessoa”. “Em cada ano, me surpreendo mais com a organização impecável.”

A iniciativa regional acabou ganhando espaço nacional e cronograma a partir de sua segunda edição. Na sétima, em setembro passado, a jornada galgou dimensão internacional e foi destacada como única no mundo sem os ares do academicismo, segundo o presidente do Parlamento Internacional dos Escritores, Edouard Glissant. Mesma opinião tem o escritor moçambicano Mia Couto. “Estou admirado”, confidenciou em setembro, quando “descobriu” o que era o evento para o qual fora convidado.

“A Tânia é mulher incomum: tem força de vontade, tem sabedoria para escolher seus temários e convidados e, especial-mente, formou uma grande rede de amigos, e que se tornaram amigos entre si”, depõe o escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, que conhece Tânia desde que o escritor Josué Guimarães era vivo e servia de mestre de cerimônia das Jornadas, como faz questão de ressaltar. Para ele, uma das proezas de Tânia foi ter conseguido levar para Passo Fundo Sérgio Faraco. Assis Brasil é amigo pessoal de Faraco e sabe muito bem o quanto esse escritor é arredio a qualquer tipo de “badalação” literária. “Ponham-se alguns ingredientes desfavoráveis, como um frio de enregelar a alma, mais todas as desgraças financeiras, mais a incompreensão de uma imensidão de ciumentos, mais um circo no meio da praça, mais o pouco prestígio do livro, misture-se bem e responda-se à pergunta: funcionará? Sim, todo o Brasil responde, se lá estiver a Tânia”, sintetiza Assim Brasil.

“Sou suspeita em falar, mas tudo o que ela faz dá certo”, diz Juvenilda Fonseca, secretária de Tânia na UPF desde 1994. Ela também faz parte do grupo que organiza a jornada desde a primeira edição. “Muitos a chamam de trator. Concordo, mas no sentido de capacidade de trabalho”, acentua. A admiração vai mais longe. “Ela é extremamente culta e seu profissionalismo é de alta qualidade”, garante. “É exigente, mas sabe reco-nhecer o trabalho dos outros, coisa que nem todos os chefes fazem”.

Liderança – “São leituras a partir dos próprios referenciais de cada um”, comenta Tânia as manifestações sobre seu temperamento. “Cada pessoa tem um estilo. Eu sou persistente, acredito em objetivos culturais e na persecução dos mesmos. Se fosse frágil, a todo “não” que recebesse não teria resistido e talvez há algum tempo não existissem mais as jornadas literárias”, explica. Mas ressalta que não trabalha sozinha. “As jornadas são hoje fruto de uma construção coletiva, a partir da crença única e exclusivamente cultural. A liderança que exerço junto ao grupo é um “estar-com”, sem medo, com persistência para promover o magistério e celebrar a literatura.”

“Sou justa, trabalho a partir de critérios transparentes e defendo os interesses institucionais”, define a relação com os co-legas de trabalho. “O fato de ser dirigente de uma instituição não permite arbitrariedade nas ações. Amigos ou não devem ser tratados com o mesmo respeito, a mesma cortesia, os mesmos critérios institucionais”.

Na última jornada literária houve gente insinuando que Tânia estaria fazendo marketing para uma futura eleição à reitoria da UPF. Mas ela salienta que não é candidata a nenhum cargo eletivo na universidade. “Defendo a alternância no poder. Entendo que todos os professores universitários devem ter oportunidade de ocupar um cargo diretivo, devem trazer suas idéias e concretizá-las”. Tânia diz que quer voltar a ministrar aulas, a desenvolver projetos de pesquisa e a promover a extensão na UPF.

Os escritores rasgam elogios públicos à iniciativa da jornada em levar a literatura para debaixo de uma lona de circo, tornando-a uma conversa alegre e despojada do academiscismo. Mas Tânia pondera e não hesita em cobrar colaboração. “A jornada cresceu, já trouxemos a grande maioria dos expoentes literários (cerca de 140) e é necessário que os convidados não apenas aceitem o convite mas participem efetivamente do evento”, assinala. Direta, explica: “a ampliação da jornada aumentou os seus custos e há dificuldades financeiras. Também o poder aquisitivo dos professores diminuiu muito e tudo deve ser feito para diminuir os custos a fim de que estes possam adquirir os livros”

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