OPINIÃO

Sob a proteção de Tupã

Barbosa Lessa / Publicado em 6 de novembro de 1997

Competência e persistência são requisitos essenciais para que um professor possa transmitir às nossas crianças os co-nhecimentos básicos de língua nacional, aritmética, religião, organização social e política, moral e etc.

Então me fico a indagar que outros requisitos, milagrosos, foram necessários para que os jesuítas conduzissem os guaranis ao histórico esplendor das nossas Missões.

Já começa pelo fato de terem que se expressar não na língua deles, o Espanhol, mas na língua dos alunos.

Precisavam convencer aos índios que trocassem sua organização política – a autogestão sem governantes – pela vantajosa Monarquia Espanhola sob o trono de Madri.

E cumpria, principalmente, esquecer aquela religião selvagem baseada em Nosso Pai Primeiro, Nhanderuvuçú, em seu complemento Nhanderu-Mbacuá o Conhecedor, em Nhandecy Nossa Mãe-Terra e nas quatro-forças-em-uma que dão equilíbrio à natureza: Caapora, o protetor das matas e das plantas e animais da mata; Yara, o protetor das águas e dos peixes; Tupã, a força dos céus, dos ventos e dos pássaros; e Ceucy, a protetora das plantas plantadas e das casas que se levantam perto das lavouras.

Numa língua tão expressiva e sonora, como a guarani, certamente pareceria chocha uma nova divindade-suprema que se chamasse Diós. Então os pioneiros se puseram a procurar uma alternativa, até que optaram por um nome já existente e que constava do catecismo guarani elaborado pelo Pe. Roque Gonzáles: Tupã. (Hoje nós achamos que Tupã era o Deus dos Índios, mas estes consideravam o Deus dos Brancos…)

Pe. Roque Gonzáles, paraguaio de nascimento, foi não apenas um competente lingüísta, mas, principalmente, um sábio organizador de Missões. Tendo entrado para a Companhia de Jesus em 1609, já em 1611 escrevia, da redução de Santo Inácio, ao Superior Provincial: “Os meninos de escola são uns 150, e outras tantas meninas, se não mais. Sabem muito bem as orações e o catecismo, e agora começaremos a ensinar-lhes a ler, escrever e contar”.

Fundador da redução de Reyes de Yapeyu, tornou-a uma cidade modelar. Sessenta anos depois ali chegava o jesuíta Anton Sepp, com outros missionários, e registrou em sua célebre “Viagem” os cânticos latinos e os dois primorosos discursos de boas-vindas pronunciados pelo representante da comuna e pela representante das mulheres. Mas, em nosso próximo papo, veremos um dos maiores obstáculos que foi preciso vencer para alcançar tão alto

*Luiz Carlos Barbosa Lessa é historiador, folclorista e escritor

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