Devido a seu precoce e radical abolicionismo, Castro Alves seria conhecido como O poeta dos escravos. Entretanto, passou desapercebido o fato de que ele foi sobretudo o poeta das resistência escrava.
Não raro brutalizado pela ordem negreira, o trabalhador escravizado reagiu brutalmente contra ela. Sua resistência era considerada pelos escravistas como sinal da selvageria. Apenas nos anos 1960 os cientistas sociais começaram a interpretar as formas de resistência servil – justiçamentos, resistência ao trabalho, dissimulação, suicídio, infanticídio, quilombos, etc., – como expressão da luta de classes.
Um século antes, sem precedentes, Castro Alves cantava o sofrimento do cativo e interpretava a criminalidade negra como momento maior de sua humanização. Em “Elogio a Palmares”, cantou os quilombolas insurrecionados; em “Mater dolorosa”, dignifica o infanticídio escravo:
“Não me maldigas… Num amor sem termo
Bebi a força de matar-te… a mim…
Em “A mãe do cativo”, apresentou a dissimulação como comportamento necessário do trabalhador escravizado.
“Que seja covarde… que marche encurvado…
Que de homem se torne sombrio reptil.
Nem core de pejo, nem trema de raiva
Se a face te cortam com látego vil.
******
Ensina-o que morda… mas pérfido oculte-se
Verdadeiramente feroz foi o seu elogio ao “Bandido negro”, numa época em que o braço assassino do negro assombrava os dias e as noites dos amos.
******
Cai, orvalho de sangue do escravo,
Cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,
Cresce, cresce, vingança feroz.
******
Somos nós, meu senhor, mas não tremas,
Nós quebramos as nossas algemas
P’ra pedir-te as esposas ou mães.
Este é o filho do ancião que mataste.
Este – irmão da mulher que manchaste…
Oh! Não tremas, senhor, são teus cães.
O caráter transgressor da poesia de Castro Alves e seu elogio da rebelião das classes subalternas explicam a antipatia que sua poesia motivou e continua motivando até hoje. Explica igualmente a pouca atenção dada ao transcurso do sesquicentenário de seu nascimento, em 1997.
* Mário Maestri,
doutor em História pela Universidade de Louvain (Bélgica), é professor da Universidade de Caxias do Sul e da Universidade de Passo Fundo.