Telefonia celular, TV por assinatura, internet, satélites – e até listas telefônicas -, devem passar à gestão desses titãs que controlam a mídia brasileira e planejam diversificar seus negócios, investindo na convergência das tecnologias de informação.
“Em vários países, as legislações que impunham barreiras às convergências estão caindo”, explica o secretário executivo da Federação dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), Marcos Dantas. “Nos EUA, a lei que proibia donos de jornais serem proprietários de canais de televisão foi derrubada. Caiu a norma que impedia empresas de TV a cabo de operar no ramo de tele-comunicações”, acrescenta. Na Europa, a maioria das nações ainda mantêm empresas estatais. “Mas em todas prevalece a lógica privada de administração”, diz o autor do livro A lógica do capital-informação (Editora Contraponto, 1996, 160p.), que esteve em Porto Alegre participando de um debate na Câmara de Vereadores.
No Brasil, essas barreiras jamais existiram. Havia apenas um empecilho natural, pelo fato do sistema ser estatatizado. Nunca houve restrições legais para as empresas de comunicação, tanto que apenas nove famílias dominam a mídia nacional. “Com a quebra do monopólio, não é de se descartar a hipótese de que a Rede Globo venha a comprar a Embratel”, projeta Dantas.
Os Mesquitas, donos do Estadão, já saboreiam uma prova do bolo que está sendo privatizado. A BCP, empresa formada pelo grupo OESP e seus parceiros, adquiriu o direito de exploração da Banda B da telefonia celular na Grande São Paulo – uma região com 15 milhões de habitantes, onde pouco mais de 1 milhão de aparelhos estão em operação. Os sócios do grupo são a norte-americana Bell South, o Banco Safra, a Splice e a Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS).
Terceiro maior grupo de comunicação do país, a RBS está associada à Rede Globo em negócios de TV por assinatura, através da Net. A família Sirotsky ainda participa da Sky, operadora de TV por satélite que tem como um dos sócios estrangeiros o australiano Rudolph Murdoch, da News Corporation. Segundo a revista Imprensa de setembro, a RBS planeja brigar por um pedaço da Telebrás. Para isso, repetiria a dobradinha com a Telefónica de España, parceiro com quem comprou 35% do capital da CRT.
A licitação para a concessão da Banda B no interior de São Paulo foi parar nos tribunais. Um dos interessados é o grupo Folha, que integra o consórcio Avantel, na companhia de Odebrecht, Camargo Correa e Unibanco. A Rede Globo não esconde o desejo de abocanhar a Embratel, apesar dos protestos dos demais usuários, principalmente as outras redes de televisão aberta. Durante a votação, no Congresso, do projeto que quebrou o monopólio, a Bandeirantes (parceira do JB e do SBT numa empresa de TV a cabo) exibiu programas em horário nobre, alertando para os prejuízos que a sociedade teria caso a Embratel caísse nas mãos de Roberto Marinho.
CONSELHOS – A lei aprovada no Congresso estabelece que a agência reguladora poderá ditar regras para coibir eventuais abusos. Este órgão é formado por um conselho diretor e um consultivo. As definições políticas, inclusive as concessões, outorgas e planos de metas, continuam sob controle do Poder Executivo. Ao conselho diretor, com cinco membros indicados pelo presidente da República, cabe a execução da política e a fiscalização das concessões. O conselho consultivo é composto por representantes do Senado, da Câmara, de entidade de empresas operadoras, de empresas fornecedoras e da sociedade, que serão definidos por uma lei de iniciativa do Executivo.
A oposição apresentou diversas emendas, muitas foram incorporadas ao texto. Mas na questão do destino da Telebrás não houve acordo. A proposta dos partidos de esquerda era juntar numa só todas as empresas do sistema Telebrás. O governo manteria 51% das ações e admitiria a co-gestão de sócios privados. Mas o modelo aprovado definiu a divisão do patrimônio e sua privatização. “Com esse modelo que está aí, que vai destruir nosso sistema, não podemos concordar”, reclama Marcos Dantas.
Os trabalhadores em telecomunicações chegaram a esboçar outra proposta, criando uma nova empresa nos moldes das que existem na Europa. “A Brasil Telecom seria uma empresa pública, mas não estatal, teria a participação de grupos privados e controle da sociedade”, detalha Dantas. “Nós temos consciência de que o modelo monopolista estatal já deu o que tinha que dar”, opina. “Sabemos que precisamos de uma empresa compatível com essa nova realidade mundial mas que atenda às necessidades sociais e nacionais.”
LEI – Dantas destaca o conteúdo do artigo 81 da lei aprovada, que trata das obrigações de universalização, ou seja, dos compromissos das operadoras em atender também aos serviços considerados deficitários. Os prejuízos decorrentes da prestação desses serviços serão cobertos por um fundo, também previsto na legislação. Onde houver déficit, este será coberto por recursos dos orçamentos da União, estados e municípios.
“O que vai acontecer é que a Prefeitura que quiser manter esses serviços – basicamente telefonia – vai ter de colocar o prejuízo no orçamento”, alerta Dantas. Pelo sistema atual, quem sustenta o sistema é o usuário, que paga o que consome. “Daqui para a frente, toda a sociedade vai pagar, independente de usar ou não”, compara.
Pequenos monopólios privados
O setor privado introduziu novas tecnologias para atender novas necessidades. Por exemplo, a telefonia móvel celular. A quebra do monopólio da empresa norte-americana que controlava a telefonia convencional coincide com a implantação do sistema de microondas. Na maior parte dos casos, esses novos produtos e serviços se transformam em pequenos monopólios privados.
Empresas que controlam certos nichos de mercado se associam a outras que exploram áreas afins para convergirem seus interesses. As três maiores alianças mundiais são a World Partners, a Concert e a Finantial Network Association. Elas reúnem as gigantes norte-americanas AT&T e MCI, a France Télécon, a alemã DBT, a Teléfonica de España, a KDD japonesa e a inglesa British Telecom.
“A tendência no Brasil é o mercado se dividir entre cinco ou seis consórcios internacionais”, prevê Marcos Dantas. O mesmo já ocorreu com os vizinhos latino-americanos. A Argentina partiu sua estatal em duas; uma metade ficou com a Teléfonica de España, a outra com a France Télécom. Chile, Peru e Venezuela seguiram mesmo caminho. O México vendeu a Telmex para um consórcio formado pela estatal francesa e investidores dos Estados Unidos.
Com exceção do México, as companhias telefônicas latino-americanas eram pequenas e tecnologicamente atrasadas. O sistema Telebrás, ao contrário, está entre os 20 maiores conglomerados de telecomunicações do mundo, desenvolve tecnologia, tem retaguarda industrial e opera 2% da planta telefônica mundial. “Com a divisão em quatro ou cinco partes, as operadoras brasileiras se transformarão em subsidiárias de corporações transnacionais”, adverte Dantas.
Berçário de tecnologia
A Telebrás é uma holding, uma empresa controladora que não opera, apenas coordena e planeja. O sistema é formado pelas em-presas estaduais de telecomunicações – as “teles”-, pela Embratel e por operadoras filiadas, como a CTMR, de Pelotas (RS). As “teles” exercem o monopólio da telefonia urbana e interurbana dentro de seus estados. A Embratel domina as comunicações entre as unidades da federação e internacionais.
“A Telebrás detém tecnologias básicas de telefonia suficientes para satisfazer as demandas da sociedade”, afirma Dantas. Exemplo disso é o cartão indutivo de telefonia pública. Ele tem um conjunto de vantagens competitivas em relação aos de outros países. É mais durável, fácil de fabricar, de manusear e mais barato.
Outra prova é a comutação digital, o coração da telefonia. “Dois telefones não se falam se não existir, no meio, um equipamento de comutação”, ensina Dantas, doutorando em Engenharia de Produção e professor da UFRJ. A tecnologia de comutação digital desenvolvida no Brasil permite a construção de centrais telefônicas menores, adaptadas ao clima tropical, mais duradouras e baratas.
Essas conquistas tecnológicas são fruto de pesquisas realizadas ao longo de décadas pelo CPqD – o centro de pesquisas ligado ao sistema Telebrás. “Hoje, quem não desenvolve tecnologia não é capaz de comprar tecnologia”, garante Dantas. O Brasil não domina a tecnologia de fabricação de satélites. Por isso, o último equipamento lançado pela Embratel na órbita espacial já foi obsoleto. “Ele não dispõe de um recurso chamado Banda KU, disponível na nova geração de satélites de comunicação”, esclarece.