Os municípios foram revalorizados a partir da Constituição de 1988. Esta talvez tenha sido a mais importante tradução política da vontade que arrebatava a sociedade pós-ditadura: a democratização do poder, o que só pode ser realizado com a construção de mecanismos de participação e controle sobre as instituições do Estado.
Isto fez com que os municípios adquirissem um novo estatuto, que os retirou da situação de meros gerentes de programas originários dos governos Federal, ou Estadual, para serem alçados à condição de produtores de políticas públicas e gestores de recursos mais substantivos.
Era o que faltava para que se multiplicassem experiências de poder local, capazes de demonstrar que o município é mais eficiente na aplicação das verbas públicas, especialmente quando há participação da po-pulação na definição das prioridades de sua destinação. Nele, as instâncias de poder são mais facilmente pressionáveis e há mais possibilidades de estabelecer uma relação qualitativamente superior entre a cidadania e o Estado.
Esta política de afirmação dos municípios, no entanto, está em disputa. As finanças das cidades têm sofrido vários e duros golpes. Os governos federal e estadual vêm adotando medidas que voltam a concentrar os recursos públicos e a ampliar a desoneração fiscal, às custas das finanças municipais. Vejamos alguns exemplos, arrolados pelo prefeito de Porto Alegre, Raul Pont:
1. O IVVC (Imposto sobre Vendas a Varejo de Combustíveis), que foi extinto a partir de janeiro de 1996, havia arrecadado em Porto Alegre, no ano de 1994, R$ 5,977 milhões;
2. O FEF (Fundo de Estabilização Fiscal) permite ao governo federal apoderar-se de 20% das receitas do orçamento da União que, segundo a Constituição, deveriam ser repassados aos Estados e Municípios. Apenas no primeiro semestre de 1997, a perda dos municípios gaúchos foi de R$ 35,467 milhões e a do Estado cerca de R$ 17 milhões;
3. A Lei Kandir, que desonera do pagamento de ICMS as exportações de produtos industrializados, semi-elaborados e de produtos primários, entre outras vantagens para setores do capital, fez com a queda de arrecadação fosse de aproximadamente R$ 333 milhões, em apenas oito meses;
4. Os cinco programas (FUNDOPEM, PROPLAST, PROENERG, PROINCI, PRIN) através dos quais são dados, pelo governo estadual, vultosos incentivos financeiros às indústrias, fez com que, apenas no primeiro trimestre/97, mais de R$ 15 milhões deixassem de entrar nos cofres dos municípios em nosso Estado. Este valor representa 1,51% da arrecadação do ICMS.
Esta situação tem penalizado os municípios, que, cada vez mais, vêm assumindo a responsabilidade por programas até então da esfera estadual ou federal, sem a correspondente dotação orçamentária. Isto corrompe uma importante conquista democrática na Constituição de 1988, recuando ao malfadado período de hipercentralização dos recursos e do poder, longe da saudável descentralização e da participação popular. Defender o fortalecimento dos municípios é uma das importantes facetas atuais da luta pela democratização do Estado. Abdicar disto pode significar um triste retorno à utilização desenfreada do orçamento público para financiar interesses orientados por outros critérios que não o da melhoria da qualidade de vida do nosso povo.
* Gerson Almeida é vereador, líder da bancada do PT na Câmara de Porto Alegre.