Já pensou você acordar à noite com um chorinho de bebê à soleita da porta de sua casa, ir ver e é um enjeitado cuja mãe preferiu ficar incógnita? O que você vai fazer agora? Pegar esse filho para criar ou rejeitá-lo por segunda vez?…
Cena como essa não era incomum na antiga Porto Alegre, quando o preconceito contra a mãe-solteira impelia a decisões dramáticas. É duro colocar uma pobre criança à mercê do Destino.
Esse futuro se tornou menos aleatório em 1842, quando a Assembléia Provincial, com aprovação pelo Presidente da Província, firmou convênio com a Santa Casa de Misericórdia incumbindo-a de manter uma roda dos Expostos. Um toque de sineta chamava o guarda de plantão, este levava o bebê para um berço bem agasalhado, batizavam-no e o ofereciam a corações piedosos que aceitassem o ônus de acolhê-lo para sempre.
Exatamente há 150 anos, em julho de 1847, apareceu na roda dos expostos uma menininha bonitinha, de roupas bem limpinhas, uma graça. Foi batizada com o nome de Luciana. Daí, foi acolhida pela esposa do Seu Gaspar, que era guarda-livros na casa comercial dos Irmãos Porto.
Cresceu rodeada do maior carinho. Estudou as primeiras letras com a professora Miguelina Ferrugem, depois a professora Henriqueta de Andrade transmitiu-lhe verdadeira paixão pelos livros. Mocinha, brilhou declamando nos saraus e tertúlias.
Aos vinte anos de idade, encontrou o príncipe encantado que lhe deu o sobrenome: João José Gomes de Abreu. Ao ser aberta a Escola Normal, foi das primeiras a inscrever-se e, concluído o curso, tornou-se professora provincial.
Teve dois filhos, a Maria Pia e o Teófilo, e aí viu como era difícil prepará-los para os embates da vida. Passou a ministrar cursos informais de educação às mães de família.
Fundado o Partenon Literário, convidaram-na para integrar esse ilustre sodalício e aceitou: primeira mulher, no Brasil, a integrar uma academia literária. Com tal estímulo, saiu pregando em seletos auditórios e mesmo em praça pública a necessidade de emancipação feminina.
“Vós, mulheres brasileiras, consideradas apenas meros ornatos dos salões, não quereis que vosso coração pulse ao amor das letras e da glória nacional?” Muito bem! Muito bem!
Luciana de Abreu faleceu contando apenas 33 anos, vitimada pela tuberculose. Falta de sorte, a dela. Sorte, a nossa, por termos tido uma conterrânea que tanto enobreceu o Rio Grande do Sul.
*Luiz Carlos Barbosa Lessa é historiador, folclorista e escritor