Quatro escritores reinventam a “guerra grande”
“A arte é a arma para corrigir a realidade”. Quem afirma é um dos mais importantes ficcionistas latino-americanos vivos, vencedor do Prêmio Cervantes em 1989, o paraguaio Augusto Roa Bastos. Explicita um pouco da intenção de O Livro da Guerra Grande – Quatro escritores latino-americanos e a Guerra do Paraguai (Record, 235 págs., R$ 28,00). Juntos, Roa Bastos, Alejandro Maciel (Argentina), Omar Prego Gadea (Uruguai) e Eric Nepumoceno (Brasil) contam a história da Guerra do Paraguai (1865-1870) não como historiadores, mas como escritores.
A intenção dos relatos é estética. Por isso, o instrumento usado não é a pesquisa, pura e simples, mas a ficção. Resulta disso um livro que, segundo Roa Bastos, não é um relato de guerra, mas um livro sobre a paz. E houve paz no meio da guerra. Um lugar quase mítico, um hiato entre a violência: um quilombo em pleno palco das batalhas. Esse é o mote do livro, que, nos países de língua espanhola, foi publicado com o nome de “Los Conjurados del Quilombo del Gran Chaco”. A editora brasileira optou por um título mais direto, mas que acabou tirando um pouco da mira o alvo que os autores pretendiam: falar dos conjurados.
A ficção talvez comece antes do livro, numa frágil evidência histórica apontada por um conjunto de cartas do inglês sir Richard Francis Burton, cônsul itinerante do Império Britânico, no Paraguai. Ele as “teria” escrito em suas andanças pela guerra grande em meados do século XIX. Espécie de enviado especial para a cobertura de guerra, os textos de Burton seriam, segundo se conta, destinados à rainha da Inglaterra – publicações dos relatos circulam, principalmente entre quem fala espanhol.
Em uma dessas cartas, Burton narra a existência de um esconderijo em que brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios viviam em harmonia, em plena guerra. Era o auge das batalhas, enquanto aquele grupo esquecia as eventuais diferenças e se unia numa comunidade. Os conjurados do quilombo del Gran Chaco eram soldados, civis e oficiais que desertaram tanto do exército paraguaio de Solano López, quanto das forças de Brasil, Argentina e Uruguai.
Roa Bastos, que já conhecia os relatos, foi surpreendido pelo interesse de um outro escritor, durante uma viagem de avião, da Espanha para o Paraguai. O argentino Alejandro Maciel, seu discípulo que vive em Assunción, comentou com o mestre que havia lido os relatos. Veio a idéia: escrever sobre aquele tempo de paz, remontando uma espécie de quilombo entre quatro amigos das quatro diferentes nacionalidades, cujos governos se enfiaram numa guerra que, há 130 anos, dizimou 76% da população paraguaia e 96% dos homens do país. Roa Bastos, autor nascido em 1917, que passou boa parte de sua vida exilado do Paraguai, foi o primeiro a escrever. Passou para Maciel, que produziu a sua parte e a enviou para Prego Gadea. O uruguaio terminou sua história e a remeteu a Nepomuceno. Mesmo paraguaio, Roa Bastos preferiu escrever sobre a frente argentina. Ao argentino Maciel coube o relato ficcional do quilombo paraguaio.