O coordenador nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), Emir da Silva, discorda da posição do advogado e qualifica as cotas como um elemento de integração da população negra excluída, em função de um processo histórico iniciado com a escravidão sustentada pelo próprio Estado. “O país tem uma dívida com esse povo que construiu o Brasil de forma forçada e institucional e que, mesmo depois de 500 anos, ainda está numa situação bem difícil”, afirma. Para ele, as cotas representam um resgate da cidadania, da identidade, da auto-estima e auto-afirmação do negro. “Seria a forma de integração concreta ao mercado de trabalho, ao meio acadêmico. É um ganho inestimável, mas que necessita ainda de muito debate para que haja uma verdadeira aceitação por parte da sociedade, que vê as cotas apenas como uma forma de privilegiar o negro”, completa.
Silva explica que as cotas estão inseridas entre as principais metas das chamadas Ações Afirmativas, uma série de políticas promovidas pela União, que mexe com diversas formas de integração da comunidade negra, podendo inclusive tratar de uma reserva no próprio orçamento público. No Brasil, segundo Emir da Silva com a criação do mito da democracia racial, com a assinatura da Lei Áurea e com o conceito de miscigenação, o dogma do racismo é uma barreira muito forte para ser superada. “Sempre houve a intenção de dizer que no país não tem racismo, mas ele existe e é mais perverso porque é sutil. Está impregnado na estrutura do Estado, que com certeza ainda é um elemento de sustentação do racismo aqui no Brasil.
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Ao contrário do que se possa imaginar, nem toda a comunidade negra se posiciona a favor das cotas. A médica pediatra Isabel Constância dos Santos acredita que as cotas são mais um item para que, no futuro, o negro seja discriminado. “Vem aquela pergunta: como é que o negro entrou na universidade? Por cotas. Mas será que ele tinha capacidade para isto?”. Para ela, a questão da dívida que a união tem com os negros pode ser sanada com investimentos em infra-estrutura na área de saúde, saneamento básico, alimentação e educação pública de qualidade. “Assim já estaríamos resolvendo metade do problema, dando condições para o negro chegar ao topo, e competir de igual para igual com os brancos sem que tenha necessidade das cotas. Isto é uma forma velada de racismo e protecionismo: o teu filho passa no vestibular com uma nota ótima e daí, por um protecionismo da união, não entra porque o negro entrou”.
Filha de uma lavadeira e órfã de pai, Isabel conta que batalhou a formatura na Faculdade de Medicina. “Venho de uma família pobre e, mesmo nestas condições, conseguimos chegar lá: tenho um irmão que também é médico, uma fisioterapeuta, uma jornalista e um outro está fazendo serviço social”, conta. Para ela, a família serve como exemplo de que as cotas são dispensáveis. “Basta batalhar”, conclui.
Sobre a questão do racismo, Isabel é taxativa: tem racismo por parte do próprio negro, que procura muitas vezes isso, é um racismo disfarçado.