Produtores reclamam que, 14 meses depois de assumir, governo do estado ainda não traçou política efetiva para descentralizar a cultura
Considerada um pólo cultural do interior, uma das primeiras cidades a ter um grande teatro (o Sete de Abril, em 1831) e que viveu, no século passado, a efervescência dos espetáculos, vive um momento de estagnação. O teatro municipal de Pelotas (350 mil habitantes) está fechado há dois anos. Além disso, os tradicionais festivais de dança e música não acontecem há pelo menos quatro anos. As ações são poucas e isoladas, a maioria de cunho particular, patrocinadas por grandes empresas. Poucos grupos locais são incentivados com financiamento. Grande parte da cultura consumida na cidade é importada da capital. Se a terceira maior cidade do Rio Grande do Sul vive assim, como devem estar as demais?
Os produtores culturais de Pelotas creditam o fato à falta de uma política para a área. São unânimes em afirmar que o projeto de interiorização anunciado pelo governo, no início de 1999, ainda não foi implantado. O próprio secretário, Luiz Pilla Vares, admite que a interiorização “iniciou agora (14 meses depois de assumir o governo), com a realização das plenárias regionais, que começaram dia 21 de março, em Santo ângelo”. Ele acredita que, somente no segundo semestre, o estado terá uma política cultural em andamento.
“Apesar do discurso, a eficácia é questionável. Afora os festivais nativistas e o Cabobu (festa dos tambores em Pelotas que reviveu a utilização do instrumento, em janeiro deste ano), o que mais se viu no Rio Grande do Sul?”, pergunta a produtora Manuela Jacques. Para ela, falta uma participação efetiva da comunidade na discussão das ações. Beatriz Araújo, também produtora, tem a mesma opinião. “Se falou em um Congresso Estadual de Cultura quando esse governo se instalou, que aconteceria neste ano, mas não estou vendo ações para isso”, observa. Ela diz ainda que as cidades receberam ações sem ser questionadas sobre o que necessitavam e que não houve discussão sobre os projetos. “Prova disso é o projeto Cabobu, que foi um fracasso”. Segundo ela, as oficinas do projeto passaram todo o ano vazias. “A grande festa programada, que duraria dez dias, foi reduzida a um final de semana”, constata.
As produtoras citam, além do Cabobu, a mostra itinerante do Margs (Museu de Arte do Rio Grande do Sul) e o Prodetur (Programa de Desenvolvimento do Turismo) como ações desenvolvidas em Pelotas com o patrocínio do governo. Essas ações estariam vinculadas a uma suposta estratégia de interiorização. Mas o secretário destaca ainda o projeto Verão com Vida (realizado em diversos municípios) e a ópera Carmela (levada a Porto Alegre, Pelotas e Caxias do Sul). “No ano passado fizemos ações pontuais, como o Festival dos Sem-terra, que gerou um disco, e essas já mencionadas. Mas em termos de política, começará a funcionar este ano”, garante Pilla Vares.
Os poucos projetos, entretanto, tiveram contribuições históricas para a região. Em Pelotas, através do Cabobu, as escolas de samba locais resgataram o sopapo, o mais antigo tambor com registro no estado. Também para o carnaval, a Secretaria de Cultura promoveu oficinas de confecção de máscaras de animais, em Piratini, que resgatavam a antiga comemoração na cidade, quando as pessoas travestiam-se de animais e saíam embalados ao som de marchinhas carnavalescas. Este ano, a festa que já acontecia há mais de cinco décadas durou um mês.
Pilla Vares diz ainda que a interiorização vai ocorrer nos moldes do Orçamento Participativo. As plenárias regionais serão realizadas até 23 de maio (a última será em Carazinho) e, posteriormente, ocorrerão as plenárias temáticas. Apartir delas, está programada a constituição de núcleos e a realização do Fórum Regional de Cultura, que deve acontecer em julho. O secretário espera em agosto estar implementando as propostas discutidas pelas comunidades eleitorais do estado.
O produtor cultural Alexandre Coelho, no entanto, acredita que será necessário muito mais que isso. “Precisamos fomentar. Não adianta somente assinar embaixo a liberação da verba (se referindo a Lei de Incentivo à Cultura – LIC), nem ficar levando os espetáculos de um lado para outro”. Segundo ele, mais importante é fazer com que a produção cultural local seja ativada, que o setor possa ter ações constantes e produzidas pela comunidade.
Beatriz Araújo questiona ainda o tipo de espetáculo que é levado ao interior, representante do que ela chama de “tribo cultural” de Porto Alegre. é para evitar que somente os espetáculos da capital sejam levados ao demais municípios que, no ano passado, a produtora Manuela Jacques, através de leis de incentivo federais e com o patrocínio de uma empresa privada, levou a seis municípios da zona sul do estado o balé “A Flor do Sal”, de um grupo de dança de Pelotas. “Esta é a verdadeira interiorização da cultura”, garante Manuela.
A própria LIC, mecanismo pelo qual muitos espetáculos foram levados para outros municípios do Rio Grande do Sul, também é questionada. Coelho diz que grandes produtores têm a lei a seu favor e acabam “mordendo os consumidores” com preços exorbitantes. Segundo ele, é um absurdo que um balé seja patrocinado pelo estado, através de LIC, e seja oferecido somente à elite. Para Manuela Jacques, a lei é excludente, já que somente as grandes empresas têm condições de patrocinar os eventos. Ela afirma que os pequenos comerciantes acabam não investindo na cultura local. Por outro lado, Coelho vê como ponto positivo da lei a rigidez na liberação das verbas que, segundo diz, acaba com a pirataria e com as fraudes.
O produtor vai mais além. Diz que em todo o estado não há política cultural nem no interior, nem na capital. Segundo ele, as ações desenvolvidas em Porto Alegre são patrocinadas pelo município e não pelo estado. Em Pelotas a situação é ainda mais crítica, pois a administração abandonou há quatro anos os projetos da área. “Estou me sentindo na sala de espera. Se não mudar a situação, haverá novo êxodo cultural”, prevê.